São Paulo, terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros CRÍTICA MÚSICA ERUDITA Pianista Mitsuko Uchida realça heterônimos de Schumann CRÍTICO DA FOLHA Ouvir a pianista Mitsuko Uchida falar sobre Robert Schumann (1810-1856) é uma experiência à parte: seu inglês -ela tem cidadania britânica- não é apenas carregado de cores e acentos do Japão natal, mas também de Viena, onde se radicou ainda adolescente. Na entrevista ao jornalista James Jolly -disponível em bônus incluído em seu mais recente álbum- retórica e lógica equilibram-se, a expressividade emoldurando um arguto senso analítico. O CD principal é dedicado a duas obras escritas por Schumann no final dos anos 1830: as 18 "Davidsbündlertänze" ("Danças da Liga de Davi"), publicadas pela primeira vez em 1837, e a "Fantasie" em dó maior, obra de 1839 dedicada a Franz Liszt (1811-1886). Uchida defende o uso da primeira edição das "Danças", na qual o compositor substitui o próprio nome na página de rosto pelo dos heterônimos Florestan (caráter impetuoso e arrebatado) e Eusebius (reflexivo e íntimo). Ao contrário da edição revisada de 1851, cada peça da publicação original traz também as iniciais "F" ou "E", alternando a "autoria" entre as personalidades poéticas. Um tom profundamente confessional percorre o ciclo e -segundo Uchida- este ciclo em especial. A afirmação pode parecer exagerada diante do autor de coleções de canções como "Dichterliebe", mas o fato é que a interpretação da pianista eleva essas pequenas peças de Schumann aos mais altos patamares do romantismo. O virtuosismo sem afetação de Mitsuko Uchida tem direção certa: narrar o triunfo final de Eusebius, a melancolia fatal que se revela pouco a pouco nas sutilezas de seu toque. E nem mesmo a "Fantasia" que se segue parece colocar em xeque a conquista das miniaturas, como se depois de Beethoven (1770-1827) e Schubert (1797-1828) as grandes formas tivessem entrado em colapso. Essa vitória da fragilidade de Eusebius, de Davi contra Golias, é, em certa medida, um fracasso. Não porque a arte tenha perdido força: justamente o contrário, pois, ao se originar do desespero humano, seu sucesso passa a ser a medida dos abismos que esfacelam o espírito. (SIDNEY MOLINA) SCHUMANN: FANTASIE / DAVIDSBÜNDLERTÄNZE ARTISTA Mitsuko Uchida (piano) LANÇAMENTO Decca QUANTO R$ 132, em média AVALIAÇÃO ótimo Texto Anterior: Crítica/Música erudita: "Mantra" concretiza conceito de fórmula de Stockhausen Próximo Texto: FOLHA.com Índice | Comunicar Erros

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