São Paulo, sexta-feira, 11 de fevereiro de 2000


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ESTRÉIA
"Judy Berlin" combina Allen com Antonioni

BERNARDO CARVALHO
Colunista da Folha

Sem ser uma coisa nem outra, "Judy Berlin" é uma estranha combinação de Antonioni com Woody Allen, como numa dessas superposições de rostos incompatíveis no computador.
Antes de receber o prêmio de melhor diretor no festival de Sundance em 99 por este longa de estréia, Eric Mendelsohn foi assistente de figurino em vários filmes de Woody Allen, além de realizador de curtas-metragens.
"Judy Berlin" conta com comediantes de primeiro time, como Madeline Kahn e Julie Kavner, além da excelente Barbara Barrie e de alguns diálogos realmente cômicos, mas é, antes, resultado de um humor melancólico, um filme cuja graça é ser sombrio, a começar pela opção pela fotografia em preto e branco e por tudo se passar durante um eclipse do sol, num subúrbio americano.
É difícil pensar num cenário mais desolador e morto.
Dali foram banidos o horror e a miséria, e de quebra, boa parte do que se costuma chamar de vida. E é para um lugar desses, chamado Babylon, Long Island, que volta o protagonista do filme, aos 30 anos, para a casa dos pais, depois de fracassar em seu sonho de se tornar um cineasta em Hollywood.
"Judy Berlin" é uma comédia sombria sobre a volta ao lar, mas também sobre outras formas de fracasso profissional e afetivo.
Tudo tem a ver com a assombração do passado, tanto para os que sonham acordados com um tempo que perderam (como a mãe psiquicamente perturbada do protagonista ou uma velha professora aposentada, que sofre do mal de Alzheimer) como para os que vivem a desilusão dos seus projetos de escapar desse lugar morto.
Para se ter uma idéia, a maior atração de Babylon é a reconstituição histórica da vida rural do lugar há 150 anos, por atores e atrizes amadores representando uma comunidade de colonos fazendeiros para um punhado de visitantes tiritando de frio.
Cheio da casa dos pais, o protagonista judeu e "nerd", uma espécie de Woody Allen jovem, resolve sair à esmo e reencontra por acaso uma antiga colega de ginásio, Judy Berlin, uma completa idiota que pretende partir naquela mesma noite para tentar a sorte como atriz em Hollywood.
Os dois passam o dia juntos, lembram os tempos de ginásio, quando ela costumava sair de jaqueta de couro com os garotos maus, e ele não era mais do que uma promessa de gênio.
Enquanto lembram, a mãe dela, uma professora primária, amargurada com a vida e incapaz de manifestar seus afetos, vive um pequeno romance com o diretor da escola, que por coincidência vem a ser o pai do protagonista.
Seria fácil pensar na metáfora do eclipse (que toda essa gente suburbana vaga à deriva sob influência das sombras, num círculo vicioso), mas o próprio filme evita as facilidades pela auto-ironia, e sem cair no sarcasmo.
A compaixão com que trata os personagens é reforçada por um tom amador proposital. Como se todo o filme fosse a obra do próprio cineasta fracassado em homenagem à colega de infância que ainda mantém acesa a ilusão de escapar desse mundo morto, mesmo que seja para se esborrachar no mundo real.


Avaliação:     

Filme: Judy Berlin Produção: EUA, 1999 Direção: Eric Mendelsohn Com: Edie Falco, Aaron Harnick, Barbara Barrir e Bob Dishy Quando: a partir de hoje, no Cinesesc

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