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ESTRÉIA
"Judy Berlin" combina Allen com Antonioni
BERNARDO CARVALHO
Colunista da Folha
Sem ser uma coisa nem outra,
"Judy Berlin" é uma estranha
combinação de Antonioni com
Woody Allen, como numa dessas
superposições de rostos incompatíveis no computador.
Antes de receber o prêmio de
melhor diretor no festival de Sundance em 99 por este longa de estréia, Eric Mendelsohn foi assistente de figurino em vários filmes
de Woody Allen, além de realizador de curtas-metragens.
"Judy Berlin" conta com comediantes de primeiro time, como
Madeline Kahn e Julie Kavner,
além da excelente Barbara Barrie
e de alguns diálogos realmente
cômicos, mas é, antes, resultado
de um humor melancólico, um
filme cuja graça é ser sombrio, a
começar pela opção pela fotografia em preto e branco e por tudo
se passar durante um eclipse do
sol, num subúrbio americano.
É difícil pensar num cenário
mais desolador e morto.
Dali foram banidos o horror e a
miséria, e de quebra, boa parte do
que se costuma chamar de vida. E
é para um lugar desses, chamado
Babylon, Long Island, que volta o
protagonista do filme, aos 30
anos, para a casa dos pais, depois
de fracassar em seu sonho de se
tornar um cineasta em Hollywood.
"Judy Berlin" é uma comédia
sombria sobre a volta ao lar, mas
também sobre outras formas de
fracasso profissional e afetivo.
Tudo tem a ver com a assombração do passado, tanto para os
que sonham acordados com um
tempo que perderam (como a
mãe psiquicamente perturbada
do protagonista ou uma velha
professora aposentada, que sofre
do mal de Alzheimer) como para
os que vivem a desilusão dos seus
projetos de escapar desse lugar
morto.
Para se ter uma idéia, a maior
atração de Babylon é a reconstituição histórica da vida rural do
lugar há 150 anos, por atores e
atrizes amadores representando
uma comunidade de colonos fazendeiros para um punhado de
visitantes tiritando de frio.
Cheio da casa dos pais, o protagonista judeu e "nerd", uma espécie de Woody Allen jovem, resolve sair à esmo e reencontra por
acaso uma antiga colega de ginásio, Judy Berlin, uma completa
idiota que pretende partir naquela mesma noite para tentar a sorte
como atriz em Hollywood.
Os dois passam o dia juntos,
lembram os tempos de ginásio,
quando ela costumava sair de jaqueta de couro com os garotos
maus, e ele não era mais do que
uma promessa de gênio.
Enquanto lembram, a mãe dela,
uma professora primária, amargurada com a vida e incapaz de
manifestar seus afetos, vive um
pequeno romance com o diretor
da escola, que por coincidência
vem a ser o pai do protagonista.
Seria fácil pensar na metáfora
do eclipse (que toda essa gente suburbana vaga à deriva sob influência das sombras, num círculo vicioso), mas o próprio filme
evita as facilidades pela auto-ironia, e sem cair no sarcasmo.
A compaixão com que trata os
personagens é reforçada por um
tom amador proposital. Como se
todo o filme fosse a obra do próprio cineasta fracassado em homenagem à colega de infância
que ainda mantém acesa a ilusão
de escapar desse mundo morto,
mesmo que seja para se esborrachar no mundo real.
Avaliação:
Filme: Judy Berlin
Produção: EUA, 1999
Direção: Eric Mendelsohn
Com: Edie Falco, Aaron Harnick, Barbara
Barrir e Bob Dishy
Quando: a partir de hoje, no Cinesesc
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