São Paulo, quarta-feira, 11 de fevereiro de 2004

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Corpo estranho

Divulgação
Cena de "Aquilo de que Somos Feitos", da coreógrafa Lia Rodrigues, que está sendo apresentado em cidades européias


A companhia da coreógrafa brasileira Lia Rodrigues faz giro pela Europa e adapta La Fontaine

KATIA CALSAVARA
DA REDAÇÃO

Do pleno silêncio, surge o primeiro tom dos aplausos. Nada de algazarra, batidas de pé e gritos de "bravo" logo de saída. O "clap-clap" vem de mansinho até ganhar força e ficar. No último fim de semana, no Théâtre de la Cité Internationale, em Paris, a medida do aplauso para a companhia da coreógrafa brasileira Lia Rodrigues, 47, foi duas vezes a duração de "Imagine", de John Lennon, usada nos agradecimentos do grupo.
Com os espetáculos "Aquilo de que Somos Feitos" e "Formas Breves", a Lia Rodrigues Companhia de Danças vai "girar" pela Europa até 11 de março. Passam por Mulhouse, Paris e Châlons-en-Champagne (França), Lisboa (Portugal), Gênova (Itália), Berlim, Bremen, Weimar e Dusseldörf (Alemanha) e Pully (Suíça).
Dessas paragens, a mala volta cheia. "Fomos convidados para coreografar as fábulas de La Fontaine, trabalho previsto para estrear em 2005 na França", diz Rodrigues, entre um alongamento e outro entre as cidades.
Organizadora do festival Panorama RioArte de Dança, a coreógrafa também desenvolve projeto de residência na Casa de Cultura da Maré, no Rio de Janeiro. Como produtora cultural, idealiza um projeto de intercâmbio entre bailarinos e outros artistas franceses.
"O novo trabalho da companhia, para o final deste ano, ainda está em fase de pesquisa de movimento", diz a coreógrafa, que confessa demorar para compor suas criações. "Vou indo pelas bordas". Leia abaixo trechos da entrevista.
 

Folha - Sua formação clássica, pela escola do Teatro Municipal de São Paulo, se contrapõe ao seu trabalho atual? Como foi o processo de transformação em uma artista contemporânea?
Lia Rodrigues -
Acredito que o trabalho que faço agora não se contrapõe à minha formação clássica. Ele está, sem dúvida, impregnado dela e de todas essas outras influências. Valorizo muito a oportunidade de ter tido uma formação consistente. A busca de um estilo próprio é construída durante toda a vida de um artista-criador. E é assim que me sinto até hoje: em construção/ desconstrução, em movimento.

Folha - Como e quando você começou a pesquisar as "multidisciplinaridades" dos corpos e as informações que carregam?
Rodrigues -
Quando comecei a coreografar (1988) e a criar em outros corpos. Foi um processo (e é até hoje) muito curioso e complexo: o de passar o que você faz com o seu corpo para um outro, que vai reproduzir aquele movimento de um jeito totalmente novo. Depois, você ainda modifica o que aquele corpo apresentou. É interessante ver como se desenvolve a criação dos movimentos.

Folha - Como se desenvolveu o seu trabalho com os corpos nus até culminar em espetáculos?
Rodrigues -
Comecei a trabalhar as formas diferentes que o corpo pode ter em muitas horas de ensaio, como um exercício, quase que íntimo. Sempre tive curiosidade por essa questão do "estranho no familiar", sobre como o nosso corpo pode se transformar em formas tão diferentes, sem a utilização de nenhum artifício.

Folha - Suas obras são criadas em conjunto com os bailarinos. No que contribui essa troca?
Rodrigues -
É sempre rico o processo até chegarmos na forma final. Conversamos sobre o que vamos trabalhar, lemos muito, nos movimentamos. Também gosto que cada bailarino possa estar no lugar de "olhar" o que está sendo produzido. Trocamos de lugar muitas vezes. O processo de criação é bastante caótico, organizando dentro de uma lógica própria.

Folha - Você faz muitos tours internacionais. Há mais visibilidade para seu trabalho fora do país?
Rodrigues -
É uma questão de políticas públicas e de investimento. Na Europa existe uma vasta rede de teatros com equipamentos, projetos e investimento financeiro. Há algumas iniciativas e trabalhos muito importantes no Brasil, mas não temos projetos para as artes cênicas ou diretrizes para essa área por parte do Ministério da Cultura. Isso é decepcionante. Sempre votei no PT e tinha uma esperança de que haveria um olhar especial para essa vertente.

Folha - Como avalia o cenário da dança contemporânea brasileira?
Rodrigues -
Há muitos artistas de dança criativos. Essa diversidade é o nosso grande patrimônio.

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