São Paulo, quarta-feira, 11 de fevereiro de 2004

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CRÍTICA

Busca por choque e ousadia resulta em convencionalismo

PEDRO BUTCHER
ENVIADO ESPECIAL A BERLIM

"Contra Todos", título que é a redução da expressão "cada um por si e Deus contra todos", é um filme que, de fato, parece ter sido feito "contra" a platéia. Não há nada, em uma hora e meia de projeção, que alivie a experiência diante do que é apresentado. A música, rara, é áspera como a imagem, captada em vídeo, com uma definição granulada que fica ainda mais evidente na tela grande. A interpretação dos atores não é totalmente naturalista e, na maior parte do tempo, está alguns tons acima do padrão.
Com essa proposta clara, o diretor Roberto Moreira obtém momentos de impacto verdadeiro como, por exemplo, quando se ouve um tiro pela primeira vez. Moreira não só dá um susto real (fez muita gente pular da cadeira na estréia), mas também quebra expectativas, desacostuma olho e ouvido. Só que a pura vontade de chocar pode obter resultados interessantes aqui e ali, mas não chega a constituir um filme.
"Contra Todos" parece se preocupar mais em parecer sujo e desconcertante que em entender seus personagens, na expressão de uma vontade real de inseri-los em um contexto.
É apenas parcialmente possível compreender as contradições do personagem principal Teodoro (Giulio Lopes). Ele se diz evangélico (pura hipocrisia?), mas é também um pai autoritário e um assassino profissional. O mesmo vale para Soninha (Sílvia Lourenço), sua filha: seus arroubos de rebeldia parecem falsos e estúpidos. O personagem mais consistente é o da mulher de Teodoro, Cláudia, feito por Leona Cavalli.
Essa fragilidade dramática culmina com um desfecho convencional no seu desejo de ser ousado. Típica surpresa de filme independente americano, um truque de roteiro em que uma mesma seqüência é mostrada de pontos de vista diferentes. Alguns flashbacks ajudam a revelar os pontos cegos do filme. Descobre-se que um dos personagens, como um anjo mau, arquitetou a ruína de outro. Um recurso desgastado que, se era para ser shakespeariano, soou apenas folhetinesco.


O crítico Pedro Butcher viajou a convite da organização do festival

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