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Crítica/ "Alemanha, Ano Zero"
Rossellini lança seu olhar de fascínio sobre nação "zerada"
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Roberto Rossellini não
era nenhum santo. Mas
achava que a imagem
podia salvar os homens, e fez
filmes pensando nisso. Ou seja:
não era o lucro nem a glória que
o seduziam e o levavam a filmar. Era a imagem. Achava a
imagem do cinema uma espécie de milagre do século 20,
pois podia com ela tocar a todas
as pessoas, ricas ou pobres, sábias ou analfabetas.
Talvez por isso tenha considerado o sucesso de seu "Roma,
Cidade Aberta" (1945) um mal-entendido, tenha virado as costas aos produtores de Hollywood que lhe ofereciam fortunas (mas não o direito a controlar os filmes) e tenha, por fim,
concluído que o cinema, arte prostituída, merecia ser trocado pela TV.
Quem quiser ver um exemplo de seu trabalho para a TV
(estatal) pode ficar com seu
"Santo Agostinho", que a Versátil lança mês que vem. A mesma distribuidora agora lança
"Alemanha Ano Zero", de 1948,
filme raro do mestre italiano.
Raro e também dos melhores
exemplos de seu tipo de cinema. Estamos numa Berlim destruída pela guerra. A câmera
passeia por ela, em longos planos, com freqüência seguindo
um menino, Edmund.
Berlim está esmagada. Parece não sobrar um prédio. Mas a
questão desse católico é: o que
mais se destruiu além de Berlim? Existe possibilidade de
salvar a alma quando todo empenho está em salvar o corpo?
Edmund passeia por Berlim
quase em desespero. O irmão
que tanto admira, Karlheinz, é
um nazi que recusa a se entregar às novas autoridades. Com
isso, na sua casa, é preciso dividir por quatro a comida de três.
E a comida para três já é exígua.
A irmã de Edmund sai com oficiais aliados para levantar um
pouco de bem-estar material. O
pai está preso a uma cama.
Terra arrasada
Como bem diz o comentário
no início do filme, não se trata
de recriminar ou perdoar os
alemães. Isso não está ao alcance do cinema. O cinema constata: eis as coisas, é tudo que pode
nos dizer. E Rossellini nos mostra o rosto intrigante de Edmund, um mistério que, quanto
mais é perscrutado, mais se
mostra fechado: é um monstro,
ou um anjo, não se sabe. E, a rigor, podemos perguntar que diferença isso faz numa terra arrasada como a que vemos.
É o ano zero da Alemanha,
quando tudo recomeça. Depois
viriam a separação, o milagre
econômico, a reunificação: a
"Alemanha Nove Zero" que Godard fez em 1990, celebrando
este novo zero alemão. Pois é o
fascínio do zero, também, que
anima este filme em que Deus
parece ausente: nenhum movimento é ascendente; nenhuma
salvação parece possível. Os caminhos que se fecham são os
mesmos que se abrem. O ano
um virá depois.
ALEMANHA, ANO ZERO
Direção: Roberto Rossellini
Distribuidora: Versátil (R$ 44,90)
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