São Paulo, sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

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CARLOS HEITOR CONY

Reynaldo Jardim


Chegou mesmo a compor um romance com apenas três palavras: Homem, Terra e Lua. Coisa de gênio

NASCEMOS NO mesmo ano. E no mesmo dia, mês e ano começamos a trabalhar juntos na Rádio Jornal do Brasil, inicialmente como redatores de textos de publicidade e programas especiais. A PRF-4 era então uma emissora de médio porte, dez quilowatts na antena, e seu perfil quase exclusivamente clássico. Seu forte era o gênero lírico, transmitia óperas inteiras nas melhores gravações da época. Foi instalado um transmissor de 50 quilowats, dando maior potência à rádio.
Com a morte do dono do jornal e da rádio, assumiu a presidência da empresa a condessa Pereira Carneiro, que colocou seu genro, Manuel Francisco do Nascimento Brito, na superintendência da rádio e, mais tarde, no jornal.
O doutor Brito derrubou paredes no andar da emissora, construindo um estúdio enorme e luxuoso, contratou dois redatores para "mexer" na programação. Um deles fui eu, que em nada mexi por incompetência e falta de interesse no setor. O outro foi Reynaldo Jardim, que morreu na semana passada, deixando como herança o que se podia chamar de rádio e jornal modernos.
Enquanto eu dava seguimento à tradição, fazendo programas de música erudita, Jardim deletou as vinhetas habituais da época. Aboliu o "Vamos ouvir Francisco Alves cantando Aquarela do Brasil acompanhado pela orquestra de Radamés Gnattali" e, depois da música, a informação pleonástica: "Acabamos de ouvir Francisco Alves etc".
Pouco a pouco, Jardim limpou as apresentações e criou programas na base da informação e notícia, reduzindo o tempo da publicidade ao essencial.
Logo o doutor Brito, satisfeito com as inovações de Jardim, levou-o para o jornal, que era então o mais tradicional em matéria de edição, com a primeira página totalmente composta na base do "precisa-se", "vende-se", "procura-se". O mundo podia vir abaixo, nenhuma foto, nenhum texto. Da mesma forma que abolira as vinhetas da rádio, Jardim aboliu os fios da diagramação, limpando o espaço gráfico de cada página. Usou e abusou das siglas, criando o "JB" e, mais tarde, o "Suplemento Dominical do Jornal do Brasil", com a sigla que marcou um momento fundamental na imprensa brasileira, o "SDJB".
Não somente a forma foi mexida, mas o conteúdo. Formou uma equipe que logo se destacou nas letras e artes nacionais, publicando textos longos, mas não enfadonhos, sobre poesia, pintura, ensaios e crítica.
Até hoje o "SDJB" é uma referência para os estudiosos de nossa vida intelectual.
Durante anos, Jardim foi o braço mais forte do doutor Brito, que pode transformar um velho jornal e uma rádio estagnada em veículos modernos e de grande influência na política, economia e cultura. Mas era pouco para Jardim.
Em outro grupo econômico lançou a revista "Senhor", uma novidade que nunca foi superada, apesar de tentativas de reanimá-la. Em pleno regime militar, lançou "O Sol", um jornal-escola com alunos dos cursos de comunicação.
Seu nome está ligado ao concretismo, uma vez que o "SDJB" foi o berço e o principal (se não único) veículo daquele movimento. Ele próprio foi um poeta concretista. Chegou mesmo a compor um romance ("Ficção Científica") com apenas três palavras: Homem, Terra e Lua. Ao longo de umas cem páginas, todas em branco, com as três palavras se aproximando e se afastando umas das outras, Jardim contou a odisseia que então se iniciava, com o voo de Gagárin ao espaço. Coisa de gênio.
Fez poemas fora do concretismo. Um de seus primeiros livros foi "Joaquim e Outros Meninos", que pode ser considerado literatura infanto-juvenil (Joaquim era o nome de seu primeiro filho), mas com um toque inesperadamente novo e criador.
Foi com Jardim que comecei a publicar meus textos em jornais -antes já havia estreado com dois romances editados pela Civilização Brasileira. Ele reclamava que, naquele tempo, substituindo meu pai na redação do "JB", eu estivesse designado para um setor municipal. Sabendo de minha admiração por Chaplin, pediu-me uma série de artigos sobre Carlitos, que ele publicava com destaque na primeira página do "SDJB".
Foi certamente a única pisada de bola em sua fulminante carreira de intelectual, jornalista e poeta.

AMANHÃ NA ILUSTRADA:
Drauzio Varella


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