São Paulo, sexta-feira, 11 de março de 2005

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CINEMA

Com Natalie Portman, "Hora de Voltar" marca estréia de Zach Braff na direção

Comédia dramática vê juventude paralisada

BRUNO YUTAKA SAITO
DA REDAÇÃO

Há , em qualquer que seja o filme, a sensação primeira de estranhamento, um mundo novo em criação. Em "Hora de Voltar", somos jogados, sem muitas explicações, referências ou créditos iniciais, aos delírios de um rapaz tão entorpecido quanto puramente abobalhado.
Na falta de pistas, vemos esse ator frustrado que trabalha como garçom em Los Angeles, Andrew Largeman (Zach Braff), retornar à sua terra natal, Nova Jersey, para acompanhar o enterro da mãe.
É justamente a calma com que as informações essenciais sobre seu protagonista são distribuídas ao longo de sua história o motor do fascínio dessa pequena fábula, que tem lá seus delírios de grandeza ao tentar registrar o estado de espírito de uma jovem geração.
Braff, fazendo aqui também sua estréia na direção, tenta transferir para o espectador toda a tensão da desorientação inerentes ao fim da adolescência sem meias-palavras. Apenas mais à frente é que saberemos o porquê da imobilidade de Largeman. Ele está sedado desde a infância, literalmente.
Devido a um acidente na tenra idade, Largeman será a partir de então diagnosticado como agressivo e terá sua real personalidade camuflada sob um coquetel de drogas medicadas pelo pai, lacônico psiquiatra. A morte da mãe e a volta à cidade fazem essa criatura refém sair do controle: pela primeira vez, deixará de tomar seus (desnecessários) remédios, ensaiando uma vida própria.
E a partir daqui ficam explícitas as distâncias que separam esse "Hora de Voltar" de "A Primeira Noite de um Homem" (1967), sua evidente fonte de inspiração. Não estamos no território do mundo novo que se rebela contra uma realidade decrépita. Braff tem à frente o viciado universo do cinema indie, das referências pop, dos esquisitos; Godard e Truffaut são mais verbetes de enciclopédia do que o retrato das ruas.
Largeman concentra na sua figura todos os estereótipos que as gerações mais velhas vêem nos seus jovens. É uma tropa de garotos tolos, com pouco para dizer, movidos por uma revolta contra não se sabe o quê -cuja imbecilidade vê seu ápice em Columbine. Não por acaso, um dos personagens não consegue lembrar o nome de Aldous Huxley e sua sociedade de pílulas da felicidade.
A ânsia por ser especial e, assim, ser visto de alguma forma, para validar a existência de uma vida banal, vem cristalizada em Sam (Natalie Portman), garota igualmente problemática -é mentirosa compulsiva e epilética- que ajuda Largeman a sair da letargia.
De certa forma, esse grupo -completado ainda pelos amigos coveiros e pelo milionário colega que fez fortuna ao criar um "revolucionário" invento- viverá seus dias de "O Mágico de Oz"; há até um homem de lata no meio do caminho. São personagens que também buscarão desesperadamente retornar à casa, mas aqui a idéia de família é uma abstração ainda maior, já que ela praticamente não existe. Braff vai tentando encaixar esses seres outsiders em lacunas muito particulares, ele mesmo exalando os ares da inexperiência juvenil -nem tudo funciona no filme, e a guinada para um sentimentalismo atroz na parte final quase interrompe a seqüência de boas idéias criadas. Utopia, enfim.


Hora de Voltar
Garden State
   
Direção: Zach Braff
Produção: EUA, 2004
Com: Zach Braff, Natalie Portman
Quando: a partir de hoje no Frei Caneca Unibanco Arteplex e HSBC Belas Artes


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