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FERNANDO GABEIRA
Horizontes para um ano que afinal começa
Será preciso olhar um pouco
além da cortina de fumaça
produzida pelos candidatos e pesquisas. O resultado do referendo
das armas mostrou como pesquisas antecipadas, às vezes, mascaram a verdade.
Lula declarou à "The Economist" que o Brasil não tinha pressa de crescer. A oposição caiu em
cima. No entanto, se observamos
o retrospecto das falas de Lula,
constatamos que ele deveria estar
se referindo ao tipo de pressa que
compromete a sustentabilidade
do crescimento. Qualquer pessoa
inteligente tem pressa de um desenvolvimento sustentável no
Brasil.
Ao bombardear Lula por sua
frase incompleta, perdeu-se o foco
da crítica. O importante é questionar se estamos mesmo no caminho do desenvolvimento sustentável. O governo parece ter
cuidado principalmente da variável financeira, ajustando-se ao
FMI, pagando dívidas, contendo
a inflação.
Acontece que outras variáveis,
que teriam de ser costuradas no
pacote do desenvolvimento sustentável, foram subestimadas no
governo Lula: infra-estrutura,
educação, inclusão digital, adaptar a máquina do Estado às necessidades de competir no mundo
global.
Naturalmente, ele tratou de todos esses temas. Mas não com urgência e de forma articulada para
que se construíssem os grandes
alicerces do desenvolvimento sustentável. Nesse contexto, mesmo
se tivesse pressa, seria condenado
à lentidão.
Existem muitas maneiras de se
discutir o caminho pela frente. De
todas, entretanto, a mais generosa, no sentido de que contempla
todas as outras, é a discussão sobre como o Brasil se integra melhor no mundo. Alguém pode objetar: o melhor tema é saber como
superar as imensas desigualdades
sociais. Mas, ainda aqui, a inserção brasileira no mundo é um
bom roteiro para buscar a resposta.
Será que nesse torvelinho de
campanhas, alianças e tentativas
desesperadas de seduzir os eleitores haverá caminho para um debate produtivo?
O que sei, baseado na prática
cotidiana, é que a máquina do
Estado tem crescido, suas despesas são gigantescas e, cada vez
mais, sobressai nossa inadequação ao mundo moderno. Os grandes acordos comerciais são aprovados no Congresso: em muitos
casos, não são bem lidos e, quase
sempre, incompreendidos. E todos sabem que, nesses acordos, os
problemas residem exatamente
nos detalhes.
A Câmara tem uma televisão
com funcionários e equipamentos
próprios; o Senado tem outra.
Bons editores condensariam tudo
num mesmo canal e ainda sobraria tempo.
Nos EUA, quando entra um novo governo, contratam-se pouco
mais de 4.000 pessoas para cargos
de confiança. O governo petista já
colocou mais de meio milhão de
funcionários novos na máquina.
Não é acidente Brasília ter o
melhor índice de desenvolvimento humano do país, um nível das
grandes cidades européias. A alta
burocracia estatal, na qual estamos incluídos, teoricamente deveria fazer o bem da população.
Mas, na verdade, cuida melhor de
si própria do que do país.
É fácil contestar esses argumentos. Basta classificá-los de tentação neoliberal e jogá-los com o
autor na lata de lixo da história.
Mas o que fazer com a conclusão
de que o Estado brasileiro, ao invés de dinamizar o crescimento,
acaba sendo um obstáculo para
ele?
Temo que o blablablá eleitoral
não nos permita formular algo
que possa garantir resultados, como a Índia, o Chile e a Irlanda
garantiram a partir de uma leitura adequada de seu potencial no
mundo globalizado.
Nos anos em que governou, a
oposição não achou o caminho
real. O ano que passou indicou
que a chamada esquerda renovadora perdeu sua proclamada virgindade ética. A aprovação popular de Lula, depois do escândalo,
sugere que estamos diante de um
caso de hímen complacente.
As perspectivas portanto não
são animadoras. No campo internacional, o Iraque permanece à
beira da guerra civil, a vitória do
Hamas tencionou as relações com
Israel e o Irã, na busca de uma
saída nuclear, choca-se com os
EUA e a Europa. O Oriente Médio, portanto, está longe da paz.
O teatro da biosegurança no
mundo global não tem fronteiras.
Mesmo sem um caso de gripe
aviária no país, nossas exportações já sofrem o impacto.
O fato de achar o caminho no
mundo globalizado não significa
descanso. Pelo contrário, é possível perdê-lo a qualquer instante.
O que mais temo é sequer ver a
questão discutida este ano, com
projetos sólidos de transformação. Inclusive da máquina estatal
tão cobiçada pelos aliados de governo.
Perder o caminho não significa
tragédia. De certa maneira, as variáveis globais serão atacadas, só
que espontaneamente, ao sabor
das crises, sem um projeto.
Não adianta arrancar cabelos.
No Haiti sempre se diz: é preciso
paciência. Apesar das grandes diferenças entre um país que funciona e outro mergulhado no
caos, a fórmula também vale. Se
vier o que está se desenhando no
horizonte, será preciso paciência
com o Brasil. Teremos de perder
até a pressa de crescer de forma
sustentada.
A esta altura, o fundamental
não é mudar o país repentinamente, mas respeitar seus ritmos
e escolhas. Ajudar em todos os
momentos em que isso for possível é o único caminho. Mas avançar por conta própria, pois afinal
ninguém é de ferro e não haverá
espaço para lamúrias.
@ - contato@gabeira.com.br
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