São Paulo, domingo, 11 de março de 2007

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Modernos são alvo de crônica urbana

Novo autor lança "Manual do Paulistano Moderno e Descolado", em que ataca cafonice da classe média alta da cidade

O designer Gustavo Piqueira, 35, ironiza lugares e produtos culturais consumidos pelos "descolados" de São Paulo

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Parece mais um daqueles manuais de auto-ajuda humorísticos que andam tão na moda por aí. Sobre humor feminino ou "como enlouquecer seu chefe", com dicas de moda para freqüentar eventos "cool" ou enfrentar as fobias da vida urbana. O título ("Manual do Paulistano Moderno e Descolado") também ajuda a manter o leitor na crença de que está mesmo diante de mais um livro assim.
Mas o "estilo" impessoal na linha "olha-só-como-eu-escrevo-do-jeito-que-a-gente-fala", desta vez, não resultou em algo raso ou fútil. O texto do paulistano Gustavo Piqueira, 35, pode soar como o de mais um blogueiro de plantão à primeira vista. Mas, na verdade, trata-se de uma crônica urbana ambiciosa, com toque memorialista e corajosa pretensão literária.
Se não alcançou, obviamente, emular seu ídolo Marcel Proust, o autor pelo menos soube onde parar antes de derrapar por conta da pouca experiência -o livro, inclusive, tem só 116 páginas, que, justamente pelo jeito "soltinho" do texto, se lêem em pouco mais de um par de horas, se muito.
O alvo, como bem diz o título, é o mundo dos modernos e descolados de São Paulo. Numa narrativa em primeira pessoa sobre o cotidiano de um designer gráfico que vive imerso nesse universo (que é, justamente, o caso dele), o autor ataca os produtos culturais devorados pela classe média alta paulistana -do Cansei de Ser Sexy às revistas gringas de moda-, os lugares que freqüentam -clubes de rock alternativo, bares de jornalistas- ou em que escolhem viver -como Higienópolis ou a Barra Funda, recém-incluída na lista de regiões hype da cidade. "A gente faz parte de uma elite cultural, consumimos coisas supostamente sofisticadas.
Também vivo assim, mas não posso deixar de olhar com ironia para as coisas cafonas e para os comportamentos acríticos que estão por trás dessas situações", disse Piqueira, cujo visual lembra o de um roqueiro dos Strokes, em entrevista realizada numa padaria da esquina da rua Maranhão com a Aracaju, justamente em Higienópolis, onde ele vive.
O "Manual" não é a primeira investida literária do designer, um dos criadores do premiado escritório Rex. Seu primeiro livro, "Morte aos Papagaios" (2002, ed. Ateliê), fazia troça dos hábitos dos seus pares, enquanto "Coadjuvantes" (2006, ed. Martins Fontes) contava sua infância e adolescência a partir do fato de ser ele torcedor de um time que, durante esse período, não ganhou nenhum título -o Palmeiras, que ficou "na fila", como se diz em futebolês, de 1976 a 1993.
Piqueira estudou no Santa Cruz, colégio que critica pela pretensão de formar a "futura elite do país" ("o nome de maior projeção da minha turma foi o Luciano Huck"), e na FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP), mas só recentemente se enfureceu com a pose dos que o rodeiam.
"Não é um problema com São Paulo, adoro a cidade e não gosto do Rio, por exemplo. Mas não posso deixar de achar estranho o fato de que as pessoas agora acham que a Berrini virou um lugar bacana", diz.

Mídia e comportamento
Reportagens de comportamento dos jornais, diz ele, são responsáveis por reforçar um afã típico dos descolados: o de se apegar a tendências. "Mas não quero atacar a imprensa.
Falo do que leio nos jornais, nessas matérias sobre o que está pegando, da mesma forma como comento o que ouvi em festinhas. Não é o meio que incomoda, mas o que há por trás."
Para não pegar tão pesado com a cidade, Piqueira constrói contrapontos, como uma passagem inspirada numa visita do autor a Goiânia, a trabalho, em que se viu, de repente, numa mesa almoçando com dois sujeitos machistas e provincianos. "Eu não vejo saída nem aqui nem fora daqui, mas isso não é me colocar acima, não embarco nessa onda de elogio do sarcasmo. Só não sou um observador isento. Resolvi escrever sobre o que estou vendo."


MANUAL DO PAULISTANO MODERNO E DESCOLADO
Autor:
Gustavo Piqueira
Editora: Martins Fontes
Quanto: R$ 19,80 (116 págs)


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