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Modernos são alvo de crônica urbana
Novo autor lança "Manual do Paulistano Moderno e Descolado", em que ataca cafonice da classe média alta da cidade
O designer Gustavo Piqueira, 35, ironiza lugares e produtos culturais consumidos pelos "descolados" de São Paulo
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
Parece mais um daqueles
manuais de auto-ajuda humorísticos que andam tão na moda
por aí. Sobre humor feminino
ou "como enlouquecer seu chefe", com dicas de moda para freqüentar eventos "cool" ou enfrentar as fobias da vida urbana. O título ("Manual do Paulistano Moderno e Descolado")
também ajuda a manter o leitor
na crença de que está mesmo
diante de mais um livro assim.
Mas o "estilo" impessoal na
linha "olha-só-como-eu-escrevo-do-jeito-que-a-gente-fala",
desta vez, não resultou em algo
raso ou fútil. O texto do paulistano Gustavo Piqueira, 35, pode soar como o de mais um blogueiro de plantão à primeira
vista. Mas, na verdade, trata-se
de uma crônica urbana ambiciosa, com toque memorialista
e corajosa pretensão literária.
Se não alcançou, obviamente, emular seu ídolo Marcel
Proust, o autor pelo menos soube onde parar antes de derrapar por conta da pouca experiência -o livro, inclusive, tem
só 116 páginas, que, justamente
pelo jeito "soltinho" do texto,
se lêem em pouco mais de um
par de horas, se muito.
O alvo, como bem diz o título,
é o mundo dos modernos e descolados de São Paulo. Numa
narrativa em primeira pessoa
sobre o cotidiano de um designer gráfico que vive imerso
nesse universo (que é, justamente, o caso dele), o autor ataca os produtos culturais devorados pela classe média alta
paulistana -do Cansei de Ser
Sexy às revistas gringas de moda-, os lugares que freqüentam -clubes de rock alternativo, bares de jornalistas- ou em
que escolhem viver -como Higienópolis ou a Barra Funda,
recém-incluída na lista de regiões hype da cidade.
"A gente faz parte de uma elite cultural, consumimos coisas
supostamente sofisticadas.
Também vivo assim, mas não
posso deixar de olhar com ironia para as coisas cafonas e para
os comportamentos acríticos
que estão por trás dessas situações", disse Piqueira, cujo visual lembra o de um roqueiro
dos Strokes, em entrevista realizada numa padaria da esquina
da rua Maranhão com a Aracaju, justamente em Higienópolis, onde ele vive.
O "Manual" não é a primeira
investida literária do designer,
um dos criadores do premiado
escritório Rex. Seu primeiro livro, "Morte aos Papagaios"
(2002, ed. Ateliê), fazia troça
dos hábitos dos seus pares, enquanto "Coadjuvantes" (2006,
ed. Martins Fontes) contava
sua infância e adolescência a
partir do fato de ser ele torcedor de um time que, durante esse período, não ganhou nenhum título -o Palmeiras, que
ficou "na fila", como se diz em
futebolês, de 1976 a 1993.
Piqueira estudou no Santa
Cruz, colégio que critica pela
pretensão de formar a "futura
elite do país" ("o nome de
maior projeção da minha turma foi o Luciano Huck"), e na
FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP), mas só
recentemente se enfureceu
com a pose dos que o rodeiam.
"Não é um problema com São
Paulo, adoro a cidade e não gosto do Rio, por exemplo. Mas
não posso deixar de achar estranho o fato de que as pessoas
agora acham que a Berrini virou um lugar bacana", diz.
Mídia e comportamento
Reportagens de comportamento dos jornais, diz ele, são
responsáveis por reforçar um
afã típico dos descolados: o de
se apegar a tendências. "Mas
não quero atacar a imprensa.
Falo do que leio nos jornais,
nessas matérias sobre o que está pegando, da mesma forma
como comento o que ouvi em
festinhas. Não é o meio que incomoda, mas o que há por trás."
Para não pegar tão pesado
com a cidade, Piqueira constrói
contrapontos, como uma passagem inspirada numa visita do
autor a Goiânia, a trabalho, em
que se viu, de repente, numa
mesa almoçando com dois sujeitos machistas e provincianos. "Eu não vejo saída nem
aqui nem fora daqui, mas isso
não é me colocar acima, não
embarco nessa onda de elogio
do sarcasmo. Só não sou um observador isento. Resolvi escrever sobre o que estou vendo."
MANUAL DO PAULISTANO MODERNO E DESCOLADO
Autor: Gustavo Piqueira
Editora: Martins Fontes
Quanto: R$ 19,80 (116 págs)
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