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Que rufem os tambores
Maior festival de percussão do país, o PercPan começa amanhã em Salvador, chega este ano a São Paulo e vai a Paris
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MÚSICA 7º PERCPAN
"Originalidade não se apaga", diz Rita Marley
GILBERTO GIL
especial para a Folha
Rita Marley detém, por direito e
merecimento, o título de "queen
of reggae". Viúva de Bob Marley,
com quem teve os filhos que hoje
formam o grupo Melody Makers,
ela soube construir para si uma
carreira de sucesso sem abandonar os ideais do ex-companheiro,
mas também sem deixar de trilhar o seu próprio caminho musical. Rita será uma das principais
atrações do PercPan, o festival
que todos os anos transforma Salvador em capital mundial da percussão (leia texto abaixo).
Nascida em Cuba, mas criada
no gueto de Trench Town, em
Kingston (Jamaica), Rita Anderson acabou se transformando em
parte fundamental da história de
Bob Marley. Além de tudo o que a
Jamaica significa na dinâmica cultural da Bahia e do Brasil, nos últimos anos, é muito importante ver
Rita Marley em um trabalho que
enfatiza aspectos da tradição musical jamaicana, reproduzindo a
linha evolutiva que foi dar no reggae, passando por gêneros como
o ska, o "mento" e o "steady rock".
Para mim, isso tem uma carga de
expectativa muito grande. A sua
apresentação dentro do PercPan,
ao lado dos grupos The Blue Mento Gaze Band e The Davely Kumina, nos ajudará a entender melhor
a essência da música jamaicana e
os ideais que transformaram Bob
Marley em seu maior ícone.
Folha - Bob Marley esteve algumas poucas vezes no Brasil.
Ele chegou a lhe passar as suas
impressões sobre o país?
Rita Marley - Na verdade, ele
pouco sabia sobre o país, mas
aprendeu a gostar dele. Ele adorou o Brasil, a gentileza das pessoas e também a música produzida aí. Guardamos até hoje, com
carinho, uma foto de 1980 em que
ele joga bola com Chico Buarque.
Infelizmente, Bob Marley morreu
no ano seguinte sem poder realizar um de seus sonhos, que era
gravar com músicos brasileiros.
Mas eu ainda posso fazer isso,
ainda tenho tempo para fazê-lo.
Folha - Você já esteve no Brasil?
Rita - Nunca. Esta será a minha
primeira oportunidade de cantar
para o público brasileiro.
Folha - Você vai se apresentar
com dois grupos que tocam música tradicional jamaicana. O
que você está preparando?
Rita - É surpresa!!! Começamos
a ensaiar esta semana (passada),
aqui em Kingston. Está sendo divertido e estranho ao mesmo
tempo, pois nunca havia tocado
com uma banda de mento (The
Blue Mento Gaze Band), que é um
ritmo tão antigo que remonta à
África e, pelo que soube, encontra
semelhança com certo tipo de
música produzida no Brasil. É um
ritmo que pode ser definido como
da família do calipso. Mas está
maravilhoso. Estou ansiosa para
me apresentar. Apesar de a minha
participação ser mais curta do
que num show normal, terei tempo para distribuir amor à platéia.
Isso é gratificante para mim. Bob
Marley teria amado.
Folha - Nossa intenção ao convidá-la junto com esses grupos
era traçar um painel evolutivo
da música jamaicana...
Rita - Tocaremos também alguns sucessos meus e um medley
com músicas de Bob Marley. Vamos passar dos ritmos tradicionais ao reggae contemporâneo.
Folha - Como você definiria a
música jamaicana atual?
Rita - "Still kicking"... Surgiram
vários novos talentos...
Folha - Em uma determinada
época no Brasil, as rádios só tocavam o pop americano. Acontece o mesmo na Jamaica? Qual
é a posição do reggae dentro
desse contexto?
Rita - Há espaço para todos.
Quando Bob Marley surgiu, as rádios não tocavam suas músicas.
Só passaram a fazê-lo depois que
ele obteve reconhecimento internacional. A música vai e volta, são
ondas e modas. Mas há gente maravilhosa fazendo um bom trabalho e mantendo o mercado vivo,
como Ziggy Marley e os Melody
Makers, por exemplo. Tudo depende da época e das gerações. Isso é em qualquer lugar.
Originalidade não é algo que se
possa apagar assim, sem mais
nem menos. Nós temos rádios
que só tocam reggae, mas não
porque querem, não, é porque o
público exige. Nas Bahamas também há rádios tocando reggae 24
horas por dia. O mundo inteiro
aprendeu a reconhecer o reggae.
Bob Marley continua vendendo
muito e eu, pessoalmente, acho
que a nossa música é "number
one".
Folha - Uma das coisas de que
sentimos falta no Brasil é a divulgação das formas tradicionais jamaicanas. Perguntei outro dia a Jimmy Cliff e a Dermot
Hussey (jornalista jamaicano)
sobre a possibilidade de criar
um Buena Vista Social Club com
Mother Booker e outras legendas da música da Jamaica. Você
estaria disposta a liderar esse
movimento?
Rita - Adoraria! Seria tão importante para a música jamaicana... O mundo precisa conhecer
essas figuras. O reggae está em toda parte e é por isso que sempre
respondo que acho ótimo quando
músicos estrangeiros tocam reggae, mesmo que seja apenas para
fazer dinheiro. Isso, de uma certa
maneira, ajuda na sua divulgação.
O reggae é uma filosofia poderosa
e sua mensagem é a alegria. Nada
de brigas ou guerra. A nossa música é uma arma sem balas, é universal. Eu realmente acredito que
a música não tem barreiras e pertence ao universo. Veja só o que
acontece com Bob Marley: ele
morreu há quase 20 anos, mas sua
música ainda está viva. Onde quer
que você vá, há camisetas dele.
Folha - E como anda a situação
política na Jamaica?
Rita - Não gosto de política e
nem me envolvo com ela. Minha
política é a música. Esta é a minha
arma para ajudar a mudar as coisas. Depois da música de Bob
Marley, a Jamaica mudou. Ele
ajudou a dar aos negros mais respeito, por exemplo. A Jamaica é
formada por minorias que agora
podem se orgulhar de fazer parte
da sociedade e ocupar posições
qualificadas. Bob ajudou a construir isso. Ele, de uma certa maneira, foi como Jesus Cristo, pois
deu a vida pelo povo que amava.
Folha - Uma pergunta inevitável, Rita: como foi ser a companheira e colaboradora musical
de um dos maiores artistas deste século?
Rita - Estar ao lado de Bob Marley foi um desígnio de Deus. Foi
ele quem me colocou a seu lado,
para que eu pudesse aprender tudo o que aprendi (pausa).
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