São Paulo, terça-feira, 11 de abril de 2000


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Que rufem os tambores


Maior festival de percussão do país, o PercPan começa amanhã em Salvador, chega este ano a São Paulo e vai a Paris


MÚSICA 7º PERCPAN
"Originalidade não se apaga", diz Rita Marley

GILBERTO GIL
especial para a Folha

Rita Marley detém, por direito e merecimento, o título de "queen of reggae". Viúva de Bob Marley, com quem teve os filhos que hoje formam o grupo Melody Makers, ela soube construir para si uma carreira de sucesso sem abandonar os ideais do ex-companheiro, mas também sem deixar de trilhar o seu próprio caminho musical. Rita será uma das principais atrações do PercPan, o festival que todos os anos transforma Salvador em capital mundial da percussão (leia texto abaixo).
Nascida em Cuba, mas criada no gueto de Trench Town, em Kingston (Jamaica), Rita Anderson acabou se transformando em parte fundamental da história de Bob Marley. Além de tudo o que a Jamaica significa na dinâmica cultural da Bahia e do Brasil, nos últimos anos, é muito importante ver Rita Marley em um trabalho que enfatiza aspectos da tradição musical jamaicana, reproduzindo a linha evolutiva que foi dar no reggae, passando por gêneros como o ska, o "mento" e o "steady rock". Para mim, isso tem uma carga de expectativa muito grande. A sua apresentação dentro do PercPan, ao lado dos grupos The Blue Mento Gaze Band e The Davely Kumina, nos ajudará a entender melhor a essência da música jamaicana e os ideais que transformaram Bob Marley em seu maior ícone.

Folha - Bob Marley esteve algumas poucas vezes no Brasil. Ele chegou a lhe passar as suas impressões sobre o país?
Rita Marley -
Na verdade, ele pouco sabia sobre o país, mas aprendeu a gostar dele. Ele adorou o Brasil, a gentileza das pessoas e também a música produzida aí. Guardamos até hoje, com carinho, uma foto de 1980 em que ele joga bola com Chico Buarque. Infelizmente, Bob Marley morreu no ano seguinte sem poder realizar um de seus sonhos, que era gravar com músicos brasileiros. Mas eu ainda posso fazer isso, ainda tenho tempo para fazê-lo.

Folha - Você já esteve no Brasil?
Rita -
Nunca. Esta será a minha primeira oportunidade de cantar para o público brasileiro.

Folha - Você vai se apresentar com dois grupos que tocam música tradicional jamaicana. O que você está preparando?
Rita -
É surpresa!!! Começamos a ensaiar esta semana (passada), aqui em Kingston. Está sendo divertido e estranho ao mesmo tempo, pois nunca havia tocado com uma banda de mento (The Blue Mento Gaze Band), que é um ritmo tão antigo que remonta à África e, pelo que soube, encontra semelhança com certo tipo de música produzida no Brasil. É um ritmo que pode ser definido como da família do calipso. Mas está maravilhoso. Estou ansiosa para me apresentar. Apesar de a minha participação ser mais curta do que num show normal, terei tempo para distribuir amor à platéia. Isso é gratificante para mim. Bob Marley teria amado.

Folha - Nossa intenção ao convidá-la junto com esses grupos era traçar um painel evolutivo da música jamaicana...
Rita -
Tocaremos também alguns sucessos meus e um medley com músicas de Bob Marley. Vamos passar dos ritmos tradicionais ao reggae contemporâneo.

Folha - Como você definiria a música jamaicana atual?
Rita -
"Still kicking"... Surgiram vários novos talentos...

Folha - Em uma determinada época no Brasil, as rádios só tocavam o pop americano. Acontece o mesmo na Jamaica? Qual é a posição do reggae dentro desse contexto?
Rita -
Há espaço para todos. Quando Bob Marley surgiu, as rádios não tocavam suas músicas. Só passaram a fazê-lo depois que ele obteve reconhecimento internacional. A música vai e volta, são ondas e modas. Mas há gente maravilhosa fazendo um bom trabalho e mantendo o mercado vivo, como Ziggy Marley e os Melody Makers, por exemplo. Tudo depende da época e das gerações. Isso é em qualquer lugar.
Originalidade não é algo que se possa apagar assim, sem mais nem menos. Nós temos rádios que só tocam reggae, mas não porque querem, não, é porque o público exige. Nas Bahamas também há rádios tocando reggae 24 horas por dia. O mundo inteiro aprendeu a reconhecer o reggae. Bob Marley continua vendendo muito e eu, pessoalmente, acho que a nossa música é "number one".

Folha - Uma das coisas de que sentimos falta no Brasil é a divulgação das formas tradicionais jamaicanas. Perguntei outro dia a Jimmy Cliff e a Dermot Hussey (jornalista jamaicano) sobre a possibilidade de criar um Buena Vista Social Club com Mother Booker e outras legendas da música da Jamaica. Você estaria disposta a liderar esse movimento?
Rita -
Adoraria! Seria tão importante para a música jamaicana... O mundo precisa conhecer essas figuras. O reggae está em toda parte e é por isso que sempre respondo que acho ótimo quando músicos estrangeiros tocam reggae, mesmo que seja apenas para fazer dinheiro. Isso, de uma certa maneira, ajuda na sua divulgação. O reggae é uma filosofia poderosa e sua mensagem é a alegria. Nada de brigas ou guerra. A nossa música é uma arma sem balas, é universal. Eu realmente acredito que a música não tem barreiras e pertence ao universo. Veja só o que acontece com Bob Marley: ele morreu há quase 20 anos, mas sua música ainda está viva. Onde quer que você vá, há camisetas dele.

Folha - E como anda a situação política na Jamaica?
Rita -
Não gosto de política e nem me envolvo com ela. Minha política é a música. Esta é a minha arma para ajudar a mudar as coisas. Depois da música de Bob Marley, a Jamaica mudou. Ele ajudou a dar aos negros mais respeito, por exemplo. A Jamaica é formada por minorias que agora podem se orgulhar de fazer parte da sociedade e ocupar posições qualificadas. Bob ajudou a construir isso. Ele, de uma certa maneira, foi como Jesus Cristo, pois deu a vida pelo povo que amava.

Folha - Uma pergunta inevitável, Rita: como foi ser a companheira e colaboradora musical de um dos maiores artistas deste século?
Rita -
Estar ao lado de Bob Marley foi um desígnio de Deus. Foi ele quem me colocou a seu lado, para que eu pudesse aprender tudo o que aprendi (pausa).

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