São Paulo, domingo, 11 de abril de 2004

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"MARIO REIS - UM CANTOR MODERNO"

Vanguardista da voz nos anos 30 tem obra resgatada

PEDRO ALEXANDRE SANCHES
DA REPORTAGEM LOCAL

O cantor vanguardista carioca Mario Reis (1907-81) ganha reedição de vulto da fatia mais importante de sua obra. Em três CDs, a caixa "Mario Reis - Um Cantor Moderno" recupera a totalidade de suas gravações na RCA Victor, registradas entre 1932 e 1935.
São 47 faixas, que passam a limpo o primeiro surto de modernização dos sistemas de música gravada no Brasil -Reis foi um dos principais introdutores de tecnologias de gravação com microfone, que o permitiram cantar mansamente, sem os exageros de peito dos cantores da época.
Sem precisar gritar para que sua voz ficasse gravada nos discões, Mario fez história cantando de modo contido, mas encorpado, cínico, mas terno, disciplinado, mas bem-humorado. Seria inevitável que, quando surgisse em 1958, o canto sussurrado de João Gilberto fosse tido como tributário direto das invenções de Mario Reis.
A RCA Victor a que Mario chegou em 1932 era um viveiro de grandes talentos da era de ouro da música e da canção nacional. O diretor artístico da gravadora era Pixinguinha. Lamartine Babo era autor regular da casa. No elenco, Carmen Miranda iniciava trajetória fulminante de cantora, mais ou menos ao mesmo tempo.
O acompanhamento era de dois grupos formados e regidos por Pixinguinha, A Guarda Velha e Os Diabos do Céu, ambos formados pelos mesmos João da Baiana, Bonfiglio de Oliveira, Luiz Americano, entre outros.
Com todos esses artistas Mario Reis trabalharia em proximidade. Quatro seriam os registros em dupla, de Mario com Lamartine e sua voz desengonçada. Gravaram juntos, em 1932, as futuras marchinhas carnavalescas clássicas "Linda Morena" e "Aí!... Hein?...".
Sozinho, Mario celebrizou mais traquinagens de Lamartine, como "Uma Andorinha Não Faz Verão" (parceria com João de Barro) e, sobretudo, "Rasguei a Minha Fantasia".
Mas seria Carmen Miranda o principal par de Mario nos anos RCA Victor. O pacote inclui cinco duetos dos dois, que iam de festa junina ("Isto É Lá com Santo Antônio" e "Chegou a Hora da Fogueira", ambas também de Lamartine) a moderno Carnaval telefônico ("Alô..., Alô?...", de André Filho).
Enfim, "As Cinco Estações do Ano" (outra de Babo) gravava um encontro de titãs nascentes: era cantada por Mario, Carmen, Lamartine e Almirante.
Embora a associação Lamartine-Mario definisse a alma de suas canções na fase 1932-35, o cantor passeou por galeria impressionante de outros compositores, contribuindo para a revelação de bambas como Noel Rosa ("Tenho Raiva de Quem Sabe"), Ary Barroso e Capiba ("É de Amargar").
Mario gravou Bide e Marçal ("Agora É Cinza", "Meu Sofrimento"), João de Barro ("Linda Mimi"), Heitor dos Prazeres ("Não Sei que Mal Eu Fiz"), Herivelto Martins ("Mais uma Estrela"), Assis Valente ("Este Samba Foi Feito pra Você"), Kid Pepe ("Adeus, Saudade"), os também virtuosos vanguardistas Custódio Mesquita ("Doutor em Samba") e Benedito Lacerda ("Estás no Meu Caderno").
Soava avançado não só pelo repertório, mas também por fazer contraponto corajoso com os vozeirões de Francisco Alves e Silvio Caldas, por exemplo. No futuro, quase todo mundo iria na cola das impressões digitais da sua voz, de Lúcio Alves a Dick Farney, de João Gilberto a Roberto Carlos, de Chico Buarque a Caetano Veloso.
Era quase sempre leve e inconseqüente, mas chegava a visar de raspão crítica de costumes ("Ride... Palhaço...") e política ("Cortada na Censura"). No mais, tudo era Carnaval (ou festa junina) e romantismo atormentado.
Seus domínios formais, quase sempre, eram os do samba, ato em que o playboy Mario Reis se fez de ponte, unindo as pontas distantes da alta cultura e do subúrbio da época. Não à toa, ganhou a alcunha de "bacharel do samba", passando a morar também na vanguarda dos que quiseram e querem dizimar preconceitos sociais pela via pop da música. Mario Reis esteve em todas essas vanguardas.


MARIO REIS - UM CANTOR MODERNO. Caixa de CDs de Mario Reis. Lançamento: BMG. Quanto: R$ 80, em média.


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