São Paulo, terça-feira, 11 de abril de 2006

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DVD

"Arquitetura da Destruição", filme que aborda o projeto do Terceiro Reich a partir da estética de Hitler, é relançado

Cohen fez melhor documentário sobre nazismo

Divulgação
Hitler em cena de "Arquitetura da Destruição", o premiado documentário de Peter Cohen, relançado agora em DVD pela Versátil


MARCOS GUTERMAN
EDITOR-ADJUNTO DE MUNDO

A certa altura do primeiro livro de "Fausto", o protagonista pede a Mefistófeles que o mundo seja reduzido a "um monte de destroços" para que, em seu lugar "outro surja assim fecundo". Cerca de 130 anos mais tarde, o sonho romântico da renovação lírica daria lugar ao pesadelo da aniquilação total. "Arquitetura da Destruição", o premiado documentário de Peter Cohen, relançado agora em DVD, localiza a gênese e o processo dessa explosão cósmica de violência que foi a principal característica do Terceiro Reich.
A menção a Goethe, aqui, não significa que Hitler tenha se inspirado nele ou que seja tributário do romantismo alemão tal como o conhecemos. Antes pelo contrário: em "Minha Luta", em que expôs suas razões para quem quisesse lê-las já nos anos 20, o führer deixou claro que o grande autor alemão do século 19 e outros gigantes da literatura não eram dignos de integrar o universo cultural da "nova Alemanha": "Que são Goethe, Schiller ou Shakespeare em comparação com os heróis da nova poesia alemã? Gastas e obsoletas coisas de um passado que não podia mais sobreviver! A característica desses literatos é que eles não só produzem somente sujeira, mas, pior do que isso, lançam lama sobre tudo o que é realmente grande no passado".
Essa hostilidade, porém, não anula o fato evidente de que a essência do projeto hitlerista se assemelhava à dos devaneios da entediada burguesia européia do final do século 19: o mundo, tal como se apresentava, com a prevalência cada vez mais acentuada da velocidade e da descartabilidade, não era mais suportável.
A morte e a destruição eram vistas como as únicas coisas capazes de restaurar a ordem e, assim, devolver a sensação de segurança à sociedade. Por esse motivo, a Primeira Guerra Mundial, quando começou, foi celebrada até mesmo por gente razoavelmente equilibrada, como Freud.
Mas Hitler foi além, razão pela qual entrou para a história. A aniquilação, para ele e seus seguidores, tornou-se um fim em si mesmo. "Significativamente, o último desejo de Hitler foi destrutivo e desvenda, como um símbolo, a motivação dominante de sua vida -a ordem de queimar seu corpo", escreve Joachim Fest, um dos principais biógrafos de Hitler.

Estética
Na concepção de Hitler, a luta de classes acabaria não por força da vitória do proletariado, mas sim pela uniformização estética -e, para que todos se parecessem, era necessário que os diferentes fossem eliminados. Eis por que, como mostra o documentário, a medicina tornou-se uma das principais atividades da Alemanha nazista: os médicos, que em grande parte definiam quem deveria viver ou morrer, eram os "estetas" do Reich, moldando o corpo social como escultores assassinos.
"Arquitetura da Destruição" é assim o mais importante documentário sobre o nazismo porque revela como o Terceiro Reich pretendia "salvar o mundo" do caos, revolucionando-o de modo a fazer prevalecer as leis harmoniosas da natureza e da história, conhecidas de antemão somente pelos seus iluminados líderes. Hitler, o führer, via-se como o principal arquiteto dessa nova sociedade -e, em suas mãos, os homens transformaram-se em massa plástica à mercê da "arte total" nazista.


Arquitetura da Destruição
    
Direção: Peter Cohen
Distribuidora: Versátil; R$ 40, em média


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