São Paulo, domingo, 11 de abril de 2010

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Crítica/DVD/"O Segundo Rosto"

Frankenheimer encerra "trilogia da paranoia" com olhar virtuoso

Misto de ficção científica e drama, filme aborda organização que oferece a homens ricos a possibilidade de mudar de vida

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

"O Segundo Rosto" (1966), filme estranho e fascinante, fecha a chamada "trilogia da paranoia" de John Frankenheimer, da qual fazem parte também "Sob o Domínio do Mal" (de 1962, refilmado em 2004 por Jonathan Demme) e "Sete Dias em Maio" (1964).
Os três filmes são diferentes nos temas e na ambientação, mas unidos pela atmosfera de alucinação, de ingresso em outra dimensão da realidade, graças a tramas extravagantes e a uma abordagem estética não convencional.
Misto de ficção científica e drama existencial, o entrecho de "O Segundo Rosto", inspirado em romance de David Ely, fala de uma organização secreta que oferece a homens ricos a possibilidade de mudar de vida.
A Companhia forja a morte do sujeito e o faz "renascer" com um novo nome, uma nova aparência, uma nova profissão.
Um dos contemplados com o perigoso privilégio é Arthur Hamilton (John Randolph), executivo de banco de meia-idade que tem um bom patrimônio, um casamento morno e um cotidiano medíocre.
Revelar mais do que isso seria correr o risco de estragar as surpresas e reviravoltas da narrativa. Mas é preciso dizer que o protagonista é Rock Hudson, na pele de Tony Wilson, um abonado artista plástico que mora numa casa à beira-mar em Malibu, na Califórnia.

Virtuosismo
A primeira meia hora é um primor de narrativa audiovisual e de construção de atmosfera. Com poucos diálogos e muito virtuosismo de câmera ("travellings" nervosos, foco profundo alternado com grandes angulares que distorcem o espaço etc.), acompanhamos o ingresso de Arthur Hamilton nas entranhas da Companhia e seu vertiginoso mergulho (ou queda?) num novo plano da existência.
A fotografia em preto e branco, indicada ao Oscar, é do lendário James Wong Howe. Ela ajuda a criar um espaço maleável e ameaçador, um terreno incerto. Uma estação de trem, uma tinturaria, um frigorífico, tudo adquire aspecto de sonho ou, antes, de pesadelo, mais ou menos como fizera Orson Welles filmando Kafka uns anos antes ("O Processo", 1962).
Depois desse início soberbo, o filme tem algumas viradas espetaculares e uma discussão interessante sobre o tema da identidade, mas ocasionalmente se afrouxa, por exemplo ao alongar uma cerimônia do vinho que vira uma espécie de orgia hippie (tributo aos tempos).
O DVD inclui as imagens de nudez que foram suprimidas da fita exibida nos cinemas.
Frankenheimer, diretor oriundo da TV, ainda demonstraria extraordinário domínio técnico em filmes como "Grand Prix" (1967), "Operação França 2" (1975) e "Ronin" (1998), mas, de modo geral, se perderia em produções rotineiras ou de encomenda, como o telefilme "Amazônia em Chamas" (1994), sobre Chico Mendes.


O SEGUNDO ROSTO

Lançamento: Lume
Quanto: R$ 49,90
Classificação: 10 anos
Avaliação: ótimo




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