São Paulo, sexta-feira, 11 de maio de 2001

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PanAméricas de Áfricas utópicas...

O escritor José Agrippino de Paula, referência nos anos 60, tem seu livro mais importante relançado

SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL

Hoje à noite tem festa no Embu, vai ter Ray Conniff, vai ter cachaça Pitú -com limão.
Não se trata de aniversário, a comemoração é pelo relançamento de um clássico da literatura pop brasileira dos anos 60. Trata-se de "PanAmérica" (1967), que volta às prateleiras pelas mãos da editora paulistana Papagaio.
Ray Conniff e Pitú foram as exigências feitas por José Agrippino de Paula, 63, o dono da festa e autor de "PanAmérica", para que comparecesse ao convescote.
Agrippino, importante referência para os artistas da tropicália, atores, diretores teatrais e cineastas da época, atuou na literatura -"PanAmérica" é sua mais célebre criação-, no cinema -"Hitler no Terceiro Mundo" e produções em super-8- e no teatro -"Rito do Amor Selvagem"-, em uma época em que o conceito de artista multimídia ainda não estava tão em voga como hoje.
E o ano de 2001 promete resgatar também outros tesouros do baú de Agrippino. Além de "PanAmérica", a Papagaio promete relançar ainda o primeiro livro do autor, "Lugar Público" (1965), lançado inicialmente pela Civilização Brasileira. Na sequência, a editora deve colocar no mercado todos os seus outros livros e textos fora de catálogo.
Também sua obra cinematográfica será revisitada. O Centro Cultural Banco do Brasil de São Paulo exibirá, dentro da mostra "Cinema Marginal e Suas Fronteiras", o longa-metragem "Hitler no Terceiro Mundo", que Agrippino filmou em 1968, com Jô Soares e Eugenio Kusnet no elenco. O ciclo acontecerá entre os dias 14 e 28 de junho.
No segundo semestre, ainda sem data definida, o Itaú Cultural, em São Paulo, sediará uma mostra de obras de Agrippino, incluindo os filmes que realizou na África com a mulher Maria Esther Stockler. A organização é da videomaker Lucila Meirelles.

Embu
Apesar de ter direcionado sua obra para o tema das metrópoles na segunda metade do século 20, Agrippino hoje vive isolado da agitação das grandes cidades. Mora sozinho numa casa no Embu, município que se celebrizou por ser sede de um intenso mercado de artesanato, a 25 km de SP.
Vestindo camisa branca, jaqueta jeans, alguns panos à guisa de calção e alpargatas, Agrippino recebeu a Folha para uma entrevista, na última segunda-feira.
"Estou muito otimista com relação a esse lançamento, acho que, agora que a pop art ficou mais conhecida, as pessoas podem entender melhor o meu livro", disse.
Agrippino parece viver em seu passado. A todo momento, refere-se a pessoas e lugares, ou ao cinema novo e à tropicália, como se ainda estivesse vivendo nos anos 60 e 70. O escritor alterna momentos de lucidez e alienação e tem sua vida gerenciada pelo irmão, Guilherme.
Agrippino considera que sua obra será sempre atual. "Acho que o livro não vai envelhecer, pois escolhi para serem meus personagens figuras que são legendárias, como a Marylin Monroe ou o Yul Brynner, que as pessoas conheciam e vão continuar conhecendo enquanto a cultura americana for tão dominante."
O escritor também ressalta que não gosta que o protagonista de "PanAmérica" seja denominado dessa maneira.
"As pessoas dizem que ele é um protagonista, mas é justamente o contrário, pois o protagonista precisa da ação, e o meu personagem não é movido pela ação, ele é um observador, somente um observador", diz, pausadamente, enquanto alisa a espessa barba.
Agrippino diz que não tem mais o hábito de ler e aponta uma justificativa.
"Leio pouco. A literatura ocidental ficou muito igual. Depois de ler uns cem livros, a pessoa já pode dizer que conhece toda a literatura ocidental", diz.
Apesar de viver há muitos anos longe do centro de São Paulo, Agrippino diz que a metrópole ainda o fascina. "Sempre achei que as metrópoles eram foco de criação, um lugar para exercitar a criatividade, quero continuar a escrever romances sobre cidade, mas quero o realismo, não a literatura fantástica que usei em "PanAmérica", nem o estilo da literatura regional, não me interessa."

Tropicália e pop art
Agrippino é hoje conhecido por ter influenciado a geração da tropicália. Curiosamente, não se diz muito identificado com esse grupo, pois prefere se considerar um "artista da pop art".
Caetano Veloso é, talvez, seu admirador mais entusiasmado no cenário artístico. Além de tê-lo elogiado muito em seu "Verdade Tropical" (1997), o cantor baiano agora assina o prefácio da nova edição de "PanAmérica". Ali, diz que o livro soa como se fosse "a "Ilíada" na voz de Max Cavalera".
Uma homenagem do cantor a Agrippino pode ser ouvida em "Sampa" (do disco "Muito"): "PanAméricas de Áfricas utópicas/Do mundo do samba /Mais possível novo quilombo de Zumbi" ou no disco "Doces Bárbaros", com "Eu e Ela Estávamos Ali Encostados na Parede".
Também se dizem influenciados pelo escritor o músico Arnaldo Antunes, o diretor teatral José Celso Martinez Corrêa e o artista plástico José Roberto Aguilar -que assina a ilustração de capa dessa edição, entre outros.


PANAMÉRICA - De José Agrippino de Paula. Editora: Papagaio (tel. 0/xx/11/ 3051-5544). Quanto: R$ 25 (258 págs.). Na internet: www.editorapapagaio.com.br



LANÇAMENTO DO LIVRO "PANAMÉRICA" - Onde: livraria Embook (praça Nossa Senhora do Rosário, 45, loja 7, Centro, Embu). Quando: hoje, às 20h



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