São Paulo, sábado, 11 de maio de 2002

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LIVRO/ARTES PLÁSTICAS

Memórias do esquecimento

Divulgação
Detalhe de 'Anunciação', de 1986, que está reproduzida no livro



O artista mineiro Farnese de Andrade tem obra e trajetória registradas em edição de luxo


ANA WEISS
DA REDAÇÃO

Farnese de Andrade dizia que não tinha memória. Uma queda de infância lhe trouxera um tipo de distúrbio mental, contava, que o impossibilitava de fazer contas elementares e de apreender o sentido de textos e de imagens.
"Tudo que fiz saiu de dentro de mim", concluía em anotações reunidas sob o título "A Grande Alegria", escrito em que o artista plástico mineiro, morto em 1996, descreve-se como ingênuo e inconsciente fazedor de assemblages, justaposições de objetos de diferentes naturezas, sua principal frente de trabalho.
Essa é uma das explicações do próprio Farnese para o singular da sua obra, onírica, memorialista e auto-referente, a única brasileira a ser acolhida por sala especial na alemã Configura 2, em 1995, e até hoje pouco lembrada no circuito Rio-São Paulo (apenas três individuais foram realizadas após sua morte: na galeria Nara Roesler, no MAM e na galeria Porto Seguro, todas em São Paulo).
Pela primeira vez, seu legado tem registro à altura. O livro "Farnese de Andrade", que chega às livrarias no dia 20 de maio, recupera obra e vida do artista que criou códigos solitários, mas fortes o suficiente para resistir ao próprio esquecimento e à falta de memória alheia (uma das Bienais de São Paulo das quais participou não incluiu seu nome no índice remissivo do catálogo da exposição).
O livro é a mais ambiciosa edição de Charles Cosac, que edita as mais importantes obras sobre artes plásticas no país. O texto principal é assinado pelo crítico Rodrigo Naves e chama-se "A Grande Tristeza", uma citação ao material escrito de Farnese, que não está na edição. Encadernado à obra, acompanha um DVD com registro realizado pelo também crítico Olívio Tavares de Araújo.

"Herdeiro natural"
O editor foi "herdeiro natural" da memória do amigo Farnese de Andrade, por quem cultivou uma espécie de paixão platônica durante a fase mais produtiva do artista. Ele ganhou de presente uma mala velha (mineira, de couro) com dezenas de fotografias de obras e documentos uma semana antes de Farnese ser encontrado morto na escadaria de sua lendária casa no Rio Comprido, no Rio, algo equivalente a R$ 60 mil, nas contas do editor.
Cosac havia acabado de chegar ao país para criar a editora, e seu primeiro projeto seria o livro sobre a obra de Farnese. "Fui visitá-lo e pensei que em seguida faríamos o livro juntos. Mas, na ocasião, ele me avisou que morreria logo. Foi na semana seguinte da minha chegada que isso aconteceu. Por essa razão só recentemente tive coragem de abrir o armário com toda sua documentação e voltar a trabalhar neste livro, que é a coisa a que mais me dediquei desde que trabalho com edição de arte no Brasil."
O livro começa com uma série longa e apurada de imagens de detalhes de obras, sem os dados técnicos, que ficaram reservados para a parte final do livro, que reproduz as obras inteiras. "Uma forma de ensinar as pessoas a enxergarem as obras de arte", diz Cosac. Em Farnese de Andrade, os detalhes são importantes. Para ele, a vida acontecia aos pedaços.



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