São Paulo, sexta-feira, 11 de maio de 2007

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Loja de Tom Ford é paródia pretensiosa

Novo espaço do ex-estilista da Gucci, dedicado a roupas masculinas de luxo, lembra a Daslu

HORACIO SILVA
DO "NEW YORK TIMES"

O culpado foi o mordomo. Ou não -espere- talvez tenha sido a empregada. Ou então, talvez, quem sabe, tenham sido os porteiros de cara fechada que me olharam de alto a baixo com expressão desaprovadora e me fizeram sentir como se eu fosse Oprah tentando fazer compras na Hermès.
Seja como for, o fato é que minha primeira visita à nova loja de Tom Ford -dias antes, eu havia ido a uma festa lá- na semana passada foi uma coisa que me deixou perplexo.
Na década de 1990, o glamour encharcado de martini e carregado de feromônios criado por Ford ressuscitou a maison Gucci, que antes dele estava clinicamente morta.
Ford a deixou em 2004, após uma muito bem documentada ruptura com o conglomerado que é dono da Gucci, e, curiosamente, optou por reingressar na arena da moda com uma coleção de moda masculina de alto padrão.
Tom Ford já falou muito sobre seu desejo de redefinir o luxo para os pavões contemporâneos desejosos de um ambiente mais suntuoso do que aquele oferecido pelos alfaiates da velha escola de Savile Row. Se minha visita à sua loja é indicativa de alguma verdade, eu diria que Tom Ford confundiu exclusivo com excludente.

Roupas "não me toque"
Depois de passar pelo controle de passaportes, a experiência ficou menos desagradável. Os ternos prontos para vestir (custando a partir de US$ 3.000), robes que lembram "Shogun" (US$ 3.900) e trajes formais (a partir de US$ 3.200) na sala da esquerda, com aparência de lounge, estavam em uma vitrine de vidro, parecendo algo digno de museu, e que gritavam: "Não me toque!".
O labirinto de salas à direita foi igualmente pouco acolhedor, incluindo uma área com paredes de lambris, dedicada a camisas, que era quase claustrofóbica.
Para citar apenas as camisas para o dia (entre US$ 350 e US$ 795), elas são vendidas em dois formatos corporais, com dez golas diferentes, dois punhos (barril ou francês), 350 cores e 35 tecidos distintos.
São mais de 400 mil possibilidades, e isso antes de você sequer cogitar mandar bordar seu monograma. Logo, o atendimento, cuja importância Ford ressaltou em entrevistas, é crucial para o sucesso da loja. Foi estranho, portanto, o fato de ninguém ter me oferecido nenhuma assistência.

Só com hora marcada
Pouco impressionado pela seleção de suéteres, em sua maioria de um misto de cashmere com seda, e calçados de preço excessivo (US$1.390 por um par de botas de Chelsea; soma-se outro zero no caso das de crocodilo), decidi me aventurar no andar de cima, onde vários dos acessórios mais interessantes -óculos de sol de edição limitada e belos prendedores de gravatas- tinham estado expostos na festa.
"Senhor, esta área é apenas para quem tem hora marcada", disse o segurança postado ao pé da escada. Eu disse a ele que queria marcar uma hora para uma prova; ele falou que não sabia a quem me encaminhar. Quando sugeri que tentasse com o gerente, ele respondeu: "Deixe-me ver se ele tem tempo para atender o senhor".
Só se pode rir. Paródia não intencionalmente hilária de uma butique pretensiosa na Madison Avenue, a loja toda é uma imitação anglófila arrivista disfarçada de refinamento aristocrático.
Apesar de toda a falação pré-abertura sobre customização e detalhes como botões nas bainhas das calças, para que seu mordomo possa escovar para longe os resquícios do dia -finalmente!-, a realidade está mais próxima de uma loja de luxo num mercado de segundo nível de meados dos anos 1990.
Quando ouvi que Ford contratara uma camareira para a loja, presumi que fosse uma estratégia de marketing e que uma beldade escultural ficaria andando pela loja de salto alto e espanador, dando tapinhas de brincadeira em ricaços dispostos a pagar somas altas por pijamas de seda (US$ 1.900, sem monograma). Não seria do meu gosto, de maneira alguma, mas teria sido um gesto irreverente que combinaria com a provocação sexual divertida pela qual Ford era conhecido na Gucci.

Como serviçais da Daslu
A última coisa que eu esperava encontrar era um exemplo de serviçais que me lembrou a loja brasileira de luxo Daslu, que emprega centenas de camareiras para dar assistência às princesas capitalistas viajantes. Os seguranças e as janelas com cortinas cerradas lembraram a política de portas fechadas da Bijan nos anos 1980, loja que hoje ficou relegada aos anais da história do varejo.
Ainda é cedo para poder dizer, mas esse é um destino que pode muito bem ser reservado para Tom Ford, a não ser que ele se modifique logo. Na verdade, como em uma pintura de De Chirico, a proximidade do fim é algo que se pressente, pesado, no ar, desde as urnas laqueadas até as lareiras, que lembram crematórios chiques do entreguerras como o imaginado por Jean-Michel Frank.

Champanhe e sorrisos
A visita que fiz à loja no dia seguinte foi notavelmente diferente. O atendimento que me foi oferecido dessa vez, especialmente pelo gerente da loja, Edward Carbonell, que possui um jeito de médico encantador e a melhor pele no universo do varejo masculino de alto padrão, foi exemplar.
Foi champanhe e sorrisos por todos os lados, mas todos os funcionários já pareciam saber que eu era repórter do "New York Times", já que eu marcara uma hora em meu próprio nome. Os seguranças estavam visivelmente mais discretos, e o ambiente todo do lugar estava mais amistoso e convidativo.
Fui até autorizado a subir para um dos três salões privados do primeiro andar, apesar de ter deixado claro que não pretendia comprar um terno. Passei por todo o processo de tomada de medidas para um terno de três peças, não trespassado, feito sob medida.
O terno saiu por pouco menos de US$ 8.000. É um valor alto que rivaliza com e, em alguns casos, supera o preço de um terno feito sob medida em Savile Row, onde o foco da atenção é sobre a arte da alfaiataria, e não na arte da consolidação de uma marca.
Não conheço Tom Ford, mas, se ele realmente é uma encarnação contemporânea de Beau Brummel, como sua divulgação quer nos fazer crer, ele não apenas subscreve à teoria de que a divindade está nos detalhes, como seria o primeiro a observar que a marca registrada de um cavalheiro é o fato de ele tratar a todos com cortesia.


Tradução de Clara Allain

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