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Loja de Tom Ford é paródia pretensiosa
Novo espaço do ex-estilista da Gucci, dedicado a roupas masculinas de luxo, lembra
a Daslu
HORACIO SILVA
DO "NEW YORK TIMES"
O culpado foi o mordomo. Ou
não -espere- talvez tenha sido a empregada. Ou então, talvez, quem sabe, tenham sido os
porteiros de cara fechada que
me olharam de alto a baixo com
expressão desaprovadora e me
fizeram sentir como se eu fosse
Oprah tentando fazer compras
na Hermès.
Seja como for, o fato é que
minha primeira visita à nova
loja de Tom Ford -dias antes,
eu havia ido a uma festa lá- na
semana passada foi uma coisa
que me deixou perplexo.
Na década de 1990, o glamour encharcado de martini e
carregado de feromônios criado por Ford ressuscitou a maison Gucci, que antes dele estava clinicamente morta.
Ford a deixou em 2004, após
uma muito bem documentada
ruptura com o conglomerado
que é dono da Gucci, e, curiosamente, optou por reingressar
na arena da moda com uma coleção de moda masculina de alto padrão.
Tom Ford já falou muito sobre seu desejo de redefinir o luxo para os pavões contemporâneos desejosos de um ambiente
mais suntuoso do que aquele
oferecido pelos alfaiates da velha escola de Savile Row. Se minha visita à sua loja é indicativa
de alguma verdade, eu diria que
Tom Ford confundiu exclusivo
com excludente.
Roupas "não me toque"
Depois de passar pelo controle de passaportes, a experiência ficou menos desagradável. Os ternos prontos para vestir (custando a partir de US$
3.000), robes que lembram
"Shogun" (US$ 3.900) e trajes
formais (a partir de US$ 3.200)
na sala da esquerda, com aparência de lounge, estavam em
uma vitrine de vidro, parecendo algo digno de museu, e que
gritavam: "Não me toque!".
O labirinto de salas à direita
foi igualmente pouco acolhedor, incluindo uma área com
paredes de lambris, dedicada a
camisas, que era quase claustrofóbica.
Para citar apenas as camisas
para o dia (entre US$ 350 e US$
795), elas são vendidas em dois
formatos corporais, com dez
golas diferentes, dois punhos
(barril ou francês), 350 cores e
35 tecidos distintos.
São mais de 400 mil possibilidades, e isso antes de você sequer cogitar mandar bordar
seu monograma. Logo, o atendimento, cuja importância
Ford ressaltou em entrevistas,
é crucial para o sucesso da loja.
Foi estranho, portanto, o fato
de ninguém ter me oferecido
nenhuma assistência.
Só com hora marcada
Pouco impressionado pela
seleção de suéteres, em sua
maioria de um misto de cashmere com seda, e calçados de
preço excessivo (US$1.390 por
um par de botas de Chelsea; soma-se outro zero no caso das de
crocodilo), decidi me aventurar
no andar de cima, onde vários
dos acessórios mais interessantes -óculos de sol de edição limitada e belos prendedores de
gravatas- tinham estado expostos na festa.
"Senhor, esta área é apenas
para quem tem hora marcada",
disse o segurança postado ao pé
da escada. Eu disse a ele que
queria marcar uma hora para
uma prova; ele falou que não
sabia a quem me encaminhar.
Quando sugeri que tentasse
com o gerente, ele respondeu:
"Deixe-me ver se ele tem tempo para atender o senhor".
Só se pode rir. Paródia não
intencionalmente hilária de
uma butique pretensiosa na
Madison Avenue, a loja toda é
uma imitação anglófila arrivista disfarçada de refinamento
aristocrático.
Apesar de toda a falação pré-abertura sobre customização e
detalhes como botões nas bainhas das calças, para que seu
mordomo possa escovar para
longe os resquícios do dia -finalmente!-, a realidade está
mais próxima de uma loja de luxo num mercado de segundo
nível de meados dos anos 1990.
Quando ouvi que Ford contratara uma camareira para a
loja, presumi que fosse uma estratégia de marketing e que
uma beldade escultural ficaria
andando pela loja de salto alto e
espanador, dando tapinhas de
brincadeira em ricaços dispostos a pagar somas altas por pijamas de seda (US$ 1.900, sem
monograma). Não seria do meu
gosto, de maneira alguma, mas
teria sido um gesto irreverente
que combinaria com a provocação sexual divertida pela qual
Ford era conhecido na Gucci.
Como serviçais da Daslu
A última coisa que eu esperava encontrar era um exemplo
de serviçais que me lembrou a
loja brasileira de luxo Daslu,
que emprega centenas de camareiras para dar assistência
às princesas capitalistas viajantes. Os seguranças e as janelas
com cortinas cerradas lembraram a política de portas fechadas da Bijan nos anos 1980, loja
que hoje ficou relegada aos
anais da história do varejo.
Ainda é cedo para poder dizer, mas esse é um destino que
pode muito bem ser reservado
para Tom Ford, a não ser que
ele se modifique logo. Na verdade, como em uma pintura de
De Chirico, a proximidade do
fim é algo que se pressente, pesado, no ar, desde as urnas laqueadas até as lareiras, que
lembram crematórios chiques
do entreguerras como o imaginado por Jean-Michel Frank.
Champanhe e sorrisos
A visita que fiz à loja no dia
seguinte foi notavelmente diferente. O atendimento que me
foi oferecido dessa vez, especialmente pelo gerente da loja,
Edward Carbonell, que possui
um jeito de médico encantador
e a melhor pele no universo do
varejo masculino de alto padrão, foi exemplar.
Foi champanhe e sorrisos
por todos os lados, mas todos os
funcionários já pareciam saber
que eu era repórter do "New
York Times", já que eu marcara
uma hora em meu próprio nome. Os seguranças estavam visivelmente mais discretos, e o
ambiente todo do lugar estava
mais amistoso e convidativo.
Fui até autorizado a subir para um dos três salões privados
do primeiro andar, apesar de
ter deixado claro que não pretendia comprar um terno. Passei por todo o processo de tomada de medidas para um terno de três peças, não trespassado, feito sob medida.
O terno saiu por pouco menos de US$ 8.000. É um valor
alto que rivaliza com e, em alguns casos, supera o preço de
um terno feito sob medida em
Savile Row, onde o foco da
atenção é sobre a arte da alfaiataria, e não na arte da consolidação de uma marca.
Não conheço Tom Ford, mas,
se ele realmente é uma encarnação contemporânea de Beau
Brummel, como sua divulgação
quer nos fazer crer, ele não apenas subscreve à teoria de que a
divindade está nos detalhes, como seria o primeiro a observar
que a marca registrada de um
cavalheiro é o fato de ele tratar
a todos com cortesia.
Tradução de Clara Allain
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