São Paulo, sexta-feira, 11 de maio de 2007

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Caetano rejeita "virtude" da velhice

Compositor, 64, que afirma não se sentir velho, cita Montaigne; "Jamais vou considerar decadência sexual como virtude", diz

Com shows neste fim de semana em SP, ele critica veto à biografia de Roberto Carlos e diz que Lobão é legal, mas conservador


NAIEF HADDAD
EDITOR-ADJUNTO DA ILUSTRADA

O integrante mais velho da banda de Caetano Veloso, 64, é o guitarrista Pedro Sá, três décadas mais jovem que o compositor. Junto com os dois, sobem ao palco do Citibank Hall hoje, amanhã e domingo, o baterista Marcelo Callado e o contrabaixista Ricardo Dias Gomes, ambos na casa dos 20 anos.
Caetano e sua novíssima banda voltam, enfim, a São Paulo com a turnê de "Cê" e músicas sobre sexo, amores mal resolvidos, democracia racial e... velhice. Como não levá-la em conta cercado de rapazes amigos do seu filho? Sobre ela, a velhice, Caetano se apóia em Montaigne: "Não tenho vontade de considerar como virtude as minhas deficiências por causa da velhice". Inspirado nela, cantará "O Homem Velho" e a nova "O Homem", em um show que inclui todas as músicas do disco lançado no ano passado, como "Não me Arrependo" e "Rocks", além de "Sampa", "London, London" etc.
Na entrevista a seguir, Caetano também conta porque é mais rebelde que Lobão e defende a liberação da biografia de Roberto Carlos.

 

FOLHA - Por que decidiu voltar a cantar as músicas do "Transa", de 1972 ("You Don't Know me" e "Nine out of Ten")? Há bastante tempo não apareciam em seus shows, não?
CAETANO VELOSO -
Quando fiz o disco "Velô" (1984), eu retomei o "Transa", na regravação de "Nine out of Ten". Mas ao longo dos anos deixei de cantar essas músicas em inglês do período que morava em Londres. No final dos anos 80, voltei a cantar "It"s a Long Way", que as pessoas pediam muito.

FOLHA - Qual a ligação entre o "Transa" e o disco novo, "Cê"?
CAETANO -
O "Cê" é o disco mais de banda que eu já fiz. Embora eu seja velho, a banda é nova, com sonoridade nova. Isso tem um parentesco com "Transa", que também é um disco de banda pequena. Tive outras bandas, mas não só eram maiores, como havia mais variação, músicos convidados. "Transa" e "Cê" são enxutos.

FOLHA - O repertório do show apresenta, a meu ver, um homem indeciso entre a resistência e aceitação da velhice. Você concorda?
CAETANO -
No mínimo. Não quero ser pretensioso, mas penso como Montaigne: não tenho vontade de considerar como virtude as minhas deficiências por causa da velhice. Estou bem, não me sinto velho [enfatiza a palavra], mas há diferenças, agora preciso usar óculos pra ler. Não penso como Platão e [o cineasta espanhol Luis] Buñuel, que acreditavam que ficar sem potência sexual seria uma bênção porque te liberta de um tirano que é o desejo; isso está em "A República", de Platão, e Buñuel disse na sua autobiografia. Montaigne diz o contrário: jamais vou considerar minha decadência sexual como virtude (leia texto ao lado).

FOLHA - Nesse show, "Sampa" ganhou uma versão mais obscura. É um sinal de que a cidade piorou dos anos de 70, quando a música foi composta, para cá?
CAETANO -
Não acho que há esse pensamento no modo como o arranjo se apresenta. O novo arranjo é condizente com a banda, com o acorde fechado, simplificando a harmonia. E o Pedro Sá foi fazendo aquela resposta de guitarras distorcidas. A canção, no original, era terna, mas um pouco melancólica. Agora fiz uma versão que tem a ver com a tradição do rock em São Paulo, uma homenagem também sonora a Rita Lee e aos Mutantes.

FOLHA - Por que a inclusão de "Como Dois e Dois", música sua que ficou famosa com Roberto Carlos?
CAETANO -
Porque o Marcelo Callado me sugeriu e achei pertinente. Também porque o Roberto Carlos é uma figura importantíssima na inserção do rock no Brasil, foi o mais emblemático na adesão de jovens relativamente ingênuos ao pop-rock internacional.

FOLHA - Por falar em Roberto Carlos, você tem acompanhado esse caso da biografia que, após acordo judicial, está sendo recolhida?
CAETANO -
Não gosto da decisão, o livro deveria estar sendo vendido livremente. Vão queimar os livros? Se ainda fosse uma coisa caluniosa e ofensiva e que causasse danos objetivos... Sou contra.

FOLHA - Se você estivesse no lugar de Roberto Carlos...
CAETANO -
Faria o que Mick Jagger fez. No livro ["Jagger Não-Autorizado", de Christopher Andersen], fala-se que ele transou com Eric Clapton e ninguém levantou um dedo mindinho para reclamar. David Bowie, Rudolf Nureyev, Keith Richards, tudo bem, mas Eric Clapton?! Sobre os demais, todo mundo sabe que no início da carreira não é impossível que tenha acontecido [a transa], mas Eric Clapton?! E Jagger não chiou. Não acho que no livro tenha havido um desrespeito, é favorável ao Roberto.

FOLHA - Você gosta do livro?
CAETANO -
Sim, e já havia gostado do outro livro dele [Paulo Cesar de Araújo], "Eu Não Sou Cachorro, Não" [sobre a música cafona]. Conta muitas coisas interessantes, inclusive sobre a Folha [além de diversas citações de reportagens do jornal, o livro faz menção a um editorial publicado em 8 de setembro de 1971, que manifesta apoio ao governo Médici].

FOLHA - Em recente entrevista à Folha, Lobão disse que voltou a assinar contrato com uma grande gravadora, uma das chamadas majors, porque elas são melhores empresas do que eram anos atrás. Dias depois, Rita Lee afirmou que as majors continuam cheias de vícios antigos. Qual sua opinião?
CAETANO -
Acho sempre que a Rita Lee está com a razão. Mas gosto do Lobão. Ele sempre me punha como principal alvo das críticas. Mas só nos jornais; quando me encontrava, era amor puro. Ele voltou agora a gravar, o que pode ser bom, ele tem músicas lindas. Agora, não há nenhum indício de que as majors estejam melhores, estão mal porque não conseguem vender CDs. Tenho um temperamento mais rebelde que o Lobão. Ele é legal, mas um pouco conservador. Não dou a menor importância a majors e minors, tenho desprezo pelo capital. Acho que até estou errado, admiro quem tem vocação para os negócios, tenho tesão até, porque são diferentes de mim.

FOLHA - Essa rebeldia contribui para o seu marketing, não?
CAETANO -
Não quero fazer nada que seja mau para o meu marketing, estou apenas dizendo a verdade. Se é bom para o meu marketing, ótimo. Se não, foda-se. Sou rebelde mesmo.


CAETANO VELOSO
Onde:
Citibank Hall (av. dos Jamaris, 213, tel. 0/xx/11/6846-6040)
Quando: hoje e amanhã, às 22h; dom., às 20h
Quanto: R$ 60 (em pé, atrás das mesas) a R$ 160 (camarote)


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