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Caetano rejeita "virtude" da velhice
Compositor, 64, que afirma não se sentir velho, cita Montaigne; "Jamais vou considerar decadência sexual como virtude", diz
Com shows neste fim de semana em SP, ele critica veto à biografia de Roberto Carlos e diz que Lobão é legal, mas conservador
NAIEF HADDAD
EDITOR-ADJUNTO DA ILUSTRADA
O integrante mais velho da
banda de Caetano Veloso, 64, é
o guitarrista Pedro Sá, três décadas mais jovem que o compositor. Junto com os dois, sobem
ao palco do Citibank Hall hoje,
amanhã e domingo, o baterista
Marcelo Callado e o contrabaixista Ricardo Dias Gomes, ambos na casa dos 20 anos.
Caetano e sua novíssima
banda voltam, enfim, a São
Paulo com a turnê de "Cê" e
músicas sobre sexo, amores
mal resolvidos, democracia racial e... velhice. Como não levá-la em conta cercado de rapazes
amigos do seu filho? Sobre ela,
a velhice, Caetano se apóia em
Montaigne: "Não tenho vontade de considerar como virtude
as minhas deficiências por causa da velhice". Inspirado nela,
cantará "O Homem Velho" e a
nova "O Homem", em um show
que inclui todas as músicas do
disco lançado no ano passado,
como "Não me Arrependo" e
"Rocks", além de "Sampa",
"London, London" etc.
Na entrevista a seguir, Caetano também conta porque é
mais rebelde que Lobão e defende a liberação da biografia
de Roberto Carlos.
FOLHA - Por que decidiu voltar a
cantar as músicas do "Transa", de
1972 ("You Don't Know me" e "Nine
out of Ten")? Há bastante tempo
não apareciam em seus shows, não?
CAETANO VELOSO - Quando fiz o
disco "Velô" (1984), eu retomei
o "Transa", na regravação de
"Nine out of Ten". Mas ao longo
dos anos deixei de cantar essas
músicas em inglês do período
que morava em Londres. No final dos anos 80, voltei a cantar
"It"s a Long Way", que as pessoas pediam muito.
FOLHA - Qual a ligação entre o
"Transa" e o disco novo, "Cê"?
CAETANO - O "Cê" é o disco
mais de banda que eu já fiz.
Embora eu seja velho, a banda é
nova, com sonoridade nova. Isso tem um parentesco com
"Transa", que também é um
disco de banda pequena. Tive
outras bandas, mas não só eram
maiores, como havia mais variação, músicos convidados.
"Transa" e "Cê" são enxutos.
FOLHA - O repertório do show
apresenta, a meu ver, um homem
indeciso entre a resistência e aceitação da velhice. Você concorda?
CAETANO - No mínimo. Não
quero ser pretensioso, mas
penso como Montaigne: não tenho vontade de considerar como virtude as minhas deficiências por causa da velhice. Estou
bem, não me sinto velho [enfatiza a palavra], mas há diferenças, agora preciso usar óculos
pra ler. Não penso como Platão
e [o cineasta espanhol Luis] Buñuel, que acreditavam que ficar
sem potência sexual seria uma
bênção porque te liberta de um
tirano que é o desejo; isso está
em "A República", de Platão, e
Buñuel disse na sua autobiografia. Montaigne diz o contrário: jamais vou considerar minha decadência sexual como
virtude (leia texto ao lado).
FOLHA - Nesse show, "Sampa" ganhou uma versão mais obscura. É
um sinal de que a cidade piorou dos
anos de 70, quando a música foi
composta, para cá?
CAETANO - Não acho que há esse pensamento no modo como
o arranjo se apresenta. O novo
arranjo é condizente com a
banda, com o acorde fechado,
simplificando a harmonia. E o
Pedro Sá foi fazendo aquela
resposta de guitarras distorcidas. A canção, no original, era
terna, mas um pouco melancólica. Agora fiz uma versão que
tem a ver com a tradição do
rock em São Paulo, uma homenagem também sonora a Rita
Lee e aos Mutantes.
FOLHA - Por que a inclusão de "Como Dois e Dois", música sua que ficou famosa com Roberto Carlos?
CAETANO - Porque o Marcelo
Callado me sugeriu e achei pertinente. Também porque o Roberto Carlos é uma figura importantíssima na inserção do
rock no Brasil, foi o mais emblemático na adesão de jovens
relativamente ingênuos ao
pop-rock internacional.
FOLHA - Por falar em Roberto Carlos, você tem acompanhado esse caso da biografia que, após acordo judicial, está sendo recolhida?
CAETANO - Não gosto da decisão, o livro deveria estar sendo
vendido livremente. Vão queimar os livros? Se ainda fosse
uma coisa caluniosa e ofensiva
e que causasse danos objetivos... Sou contra.
FOLHA - Se você estivesse no lugar
de Roberto Carlos...
CAETANO - Faria o que Mick
Jagger fez. No livro ["Jagger
Não-Autorizado", de Christopher Andersen], fala-se que ele
transou com Eric Clapton e
ninguém levantou um dedo
mindinho para reclamar. David
Bowie, Rudolf Nureyev, Keith
Richards, tudo bem, mas Eric
Clapton?! Sobre os demais, todo mundo sabe que no início da
carreira não é impossível que
tenha acontecido [a transa],
mas Eric Clapton?! E Jagger
não chiou. Não acho que no livro tenha havido um desrespeito, é favorável ao Roberto.
FOLHA - Você gosta do livro?
CAETANO - Sim, e já havia gostado do outro livro dele [Paulo
Cesar de Araújo], "Eu Não Sou
Cachorro, Não" [sobre a música
cafona]. Conta muitas coisas
interessantes, inclusive sobre a
Folha [além de diversas citações de reportagens do jornal,
o livro faz menção a um editorial publicado em 8 de setembro de 1971, que manifesta
apoio ao governo Médici].
FOLHA - Em recente entrevista à
Folha, Lobão disse que voltou a assinar contrato com uma grande gravadora, uma das chamadas majors,
porque elas são melhores empresas
do que eram anos atrás. Dias depois,
Rita Lee afirmou que as majors continuam cheias de vícios antigos.
Qual sua opinião?
CAETANO - Acho sempre que a
Rita Lee está com a razão. Mas
gosto do Lobão. Ele sempre me
punha como principal alvo das
críticas. Mas só nos jornais;
quando me encontrava, era
amor puro. Ele voltou agora a
gravar, o que pode ser bom, ele
tem músicas lindas. Agora, não
há nenhum indício de que as
majors estejam melhores, estão mal porque não conseguem
vender CDs. Tenho um temperamento mais rebelde que o
Lobão. Ele é legal, mas um pouco conservador. Não dou a menor importância a majors e minors, tenho desprezo pelo capital. Acho que até estou errado,
admiro quem tem vocação para
os negócios, tenho tesão até,
porque são diferentes de mim.
FOLHA - Essa rebeldia contribui para o seu marketing, não?
CAETANO - Não quero fazer nada que seja mau para o meu
marketing, estou apenas dizendo a verdade. Se é bom para o
meu marketing, ótimo. Se não,
foda-se. Sou rebelde mesmo.
CAETANO VELOSO
Onde: Citibank Hall (av. dos Jamaris,
213, tel. 0/xx/11/6846-6040)
Quando: hoje e amanhã, às 22h; dom.,
às 20h
Quanto: R$ 60 (em pé, atrás das mesas) a R$ 160 (camarote)
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