São Paulo, sexta-feira, 11 de maio de 2007

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Montaigne vê velhice de dois modos

MANUEL DA COSTA PINTO
COLUNISTA DA FOLHA

Velhice como libertação dos apetites carnais e serena preparação para a morte; velhice como decadência do corpo e visão aterrorizante do fim. Essas duas maneiras de perceber o envelhecimento -mencionadas por Caetano- estão em Montaigne.
Qual delas corresponde àquilo que o escritor francês sentia? A pergunta pede uma resposta categórica -e tudo o que Montaigne recusa são raciocínios definitivos.
A novidade e o frescor de Montaigne estão na oscilação dos pontos de vista. "O homem é um tema maravilhosamente vão, diverso e mutável", escreve ele nos "Ensaios" -livro que criou a noção moderna de sujeito, descobrindo a cisão entre experiência interior e vida pública.
Ponto de passagem entre o mundo medieval e a modernidade, os "Ensaios" mesclam a sabedoria antiga com o bom-senso da razão experimental. Recolhido na biblioteca de seu castelo, Montaigne conserva a sombra dos clássicos, para os quais a vida é aprendizado da morte, remédio de todos os males, segundo Sêneca.
Logo, porém, percebe que "é pura tolice recorrer a exemplos alheios e escolásticos". Abandona então as idéias estóicas de virtude moral e indiferença à morte, entregando-se ao registro "naturalista" de seus temores, àquela constatação das deficiências de que fala Caetano. A vivência livresca não pode ser descartada: é a própria fonte da cultura; mas soma-se a ela a experiência do indivíduo que contempla seu naufrágio.


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