São Paulo, domingo, 11 de maio de 2008

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BIA ABRAMO

A bossa suave de "Ciranda de Pedra"


Prato cheio para ficcionistas, o otimismo brasileiro do final da década de 50 embasa os esforços da novela das 18h

TUDO PARECE direitinho em "Ciranda de Pedra", a nova novela do horário das 18h.
A ação do romance de Lygia Fagundes Telles foi transposta do final dos anos 40 para 1958 -ano que é considerado o marco inaugural da bossa nova.
O final da década de 50 no Brasil é, de fato, um prato cheio para um ficcionista, de qualquer formato. É o período de otimismo juscelinista, no qual as metrópoles como Rio e São Paulo atingem um grau de civilização considerável, pelo menos para as classes médias, a cultura brasileira apronta-se para dar um salto à frente em todas as suas frentes e ainda está a uma distância segura do final convulsivo da década seguinte.
Todo o esforço cenográfico (e parte do dramatúrgico) desta nova versão para o texto de Lygia aponta nessa direção. Uma São Paulo espertamente recortada nas cenas externas dominou os primeiros capítulos, em que as linhas sólidas dos prédios do início do século 20 (estação da Luz, Teatro Municipal) convivem com a arquitetura, então moderna e ousada, e com uma agitação de cidade grande.
No interior das casas, entretanto, o que vai se configurar é um embate entre o velho e o novo: o mesmo país que se moderniza conserva relações familiares marcadas pelo autoritarismo masculino e pela submissão feminina. Nesta versão, é Daniel Dantas quem faz Natércio, o marido conservador e cruel, que impede a mulher, Laura, interpretada por Ana Paula Arósio, de viver seu amor com o médico Daniel (Marcelo Anthony).
Ana Paula, apesar de toda a torcida em contrário, não parece jovem demais para ser mãe de três moças. Sua beleza clássica e a formalidade de sua maneira de interpretar lhe dão um ar senhorial que combina com a personagem. O problema maior parecem ser as cenas de "loucura", em que sua fragilidade como atriz fica mais evidente.
Já em relação às filhas, interpretadas por atrizes estreantes ou pouco conhecidas, há frescor, sim, mas há muitas limitações tanto na construção das personagens como na interpretação. Todas parecem se agarrar a um (e apenas um) adjetivo que caracteriza seu papel -assim, Virgínia (Tammy di Calafiori) é doce, Otávia (Ariela Massotti), mimada, e Bruna (Anna Sophia Folch), carola.
De resto, há o de sempre no horário -núcleo cômico e meio amalucado (de pobres, é claro) e amores idealizados (a professorinha simples e encantadora, Cléo Pires, e o jovem interiorano puro, Bruno Gagliasso).
Só não precisava cometer, justamente no ano em que se comemoram os 50 anos da bossa nova, o que é uma impropriedade histórica -a horas tantas, um personagem classifica o "Chega de Saudade" como uma "música bem suave". Ora, em 1958, os acordes dissonantes de João Gilberto, mesmo que como acompanhante de Elizeth Cardoso, causavam estranheza e não apaziguamento.

biabramo.tv@uol.com.br


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