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São Paulo, quarta-feira, 11 de junho de 2003

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ARTES PLÁSTICAS

Expressionismo de Iberê Camargo testemunha seu afastamento da tradição cultural brasileira

Paleta solitária

Divulgação
"Solidão", que está na Pinacoteca, em São Paulo


FABIO CYPRIANO
DA REPORTAGEM LOCAL

O artista plástico Iberê Camargo (1914-1994) é dono de uma das mais particulares e solitárias carreiras na história da arte brasileira. "Ele é um expressionista, o que revela um lado que não estamos acostumados a ver. Contra o lado solar, tropical, da Semana de Arte Moderna de 22, que o concretismo retomou [nos anos 50], Iberê apresenta aspectos atrozes da cultura brasileira, da escravidão à violência", diz o crítico Paulo Venâncio Filho, curador da retrospectiva sobre Camargo, que é inaugurada no próximo sábado na Pinacoteca.
Essa perspectiva dramática não tem apenas um lado de crítica social, mas surge da própria personalidade do artista: "Acho que toda grande obra tem raízes no sofrimento. A minha nasce da dor".
A mostra, com 99 obras, entre pinturas, desenhos e gravuras, tem início justamente com sua última obra, "Solidão", obra de "luminosidade etérea" para Venâncio. A tela é a introdução ao universo de Camargo, que se espalha pelas sete salas climatizadas da Pinacoteca. "A idéia é realizar uma retrospectiva que apresente o conjunto da obra sem ser exaustiva e retrate especialmente a pintura", conta o curador.
Em seu conjunto, a retrospectiva apresenta trabalhos que pertencem ao início figurativo do artista, nos anos 50, à sua vertente abstrata e o retorno ao figurativo. Entretanto, para Venâncio, em Camargo esses elementos nunca são estanques: "Mesmo quando ele é abstrato, Iberê não deixa de ser figurativo e vice-versa".
O possível caráter linear é quebrado pela disposição das salas: entra-se pela sala do meio e, de um lado, três salas recebem obras das décadas de 50, 60 e 90 e, de outro, trabalhos das décadas de 70, 80 e, novamente, 90. "Busquei me basear nos momentos fortes de sua obra, o que corresponde a uma cronologia, sem ser linear", afirma Venâncio.
Iberê Camargo nasceu em Restinga Seca (RS). Estudou artes em vários locais do mundo, de Porto Alegre, com Fahrion, passando pelo Rio de Janeiro, com Guignard e Hans Steiner, a Roma, com De Chirico, e Paris, com André Lhote. "Ele foi uma pessoa preocupada com os aspectos formativos do pintor. Era um sujeito que nasceu em ambiente provinciano e, por isso, era obcecado com o saber pictórico. Para Iberê, nada era fruto de improviso. O importante era o rigor, o estudo", diz Venâncio.
Talvez, por esse caráter, a obra do artista não apresente desníveis, o que ocorre com muitos outros ícones da arte brasileira, como Anita Malfatti ou Cícero Dias. "Pode-se não gostar de uma ou outra obra, mas sempre há lá uma intensidade, um padrão, pois, para Iberê, nada podia ser feito sem um envolvimento total", afirma o curador.
Nas palavras do próprio artista: "Arte, para mim, foi sempre uma obsessão. Nunca toquei a vida com a ponta dos dedos. Tudo o que fiz fiz sempre com paixão. No fundo, um quadro para mim é um gesto, um último gesto".
O rigor em sua própria formação refletiu-se ainda no seu trabalho como professor, iniciado nos anos 40, no Rio, com a formação do Grupo Guignard, em 1943, e que durou apenas um ano, pois seu inspirador, Alberto da Veiga Guignard (1896-1962), mudou-se para Belo Horizonte.
Camargo assumiu a função de orientador do grupo e, desde então, exercia uma liderança que se refletiu em outras ocasiões, como em 1953, também no Rio, quando fundou o curso de gravura no Instituto Nacional de Belas-Artes (atualmente a Escola de Artes Visuais) e, a partir de 1970, ao lecionar na Escola de Belas-Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.

Museu
A retrospectiva tem ainda um módulo dedicado ao Museu Iberê Camargo, que será inaugurado em 2005, em Porto Alegre, às margens do rio Guaíba. O espaço, concebido pelo arquiteto português Álvaro Siza, recebeu o Leão de Ouro da Bienal de Arquitetura de Veneza, no ano passado. Camargo deixou cerca de 7.000 obras que farão parte do acervo do museu. Em julho, no dia 15, Siza terá um encontro com arquitetos no auditório da Pinacoteca.
Após São Paulo, a mostra do pintor, que segundo seu curador "deu uma dimensão universal para a arte brasileira", segue para o Rio de Janeiro, Salvador e Recife.

IBERÊ CAMARGO: DIANTE DA PINTURA. Retrospectiva com 99 obras, entre pinturas, desenhos e gravuras, do artista gaúcho. Curadoria: Paulo Venâncio Filho. Onde: Pinacoteca do Estado (pça. da Luz, 2, centro, SP, 0/xx/ 11/229-9844). Quando: abertura sáb., dia 14, às 11h; de ter. a dom., das 10h às 21h; sáb., das 10h às 17h30. Até 27/07. Quanto: R$ 4. Patrocinadores: Grupo Gerdau, Instituto Camargo Corrêa.


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