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DRAUZIO VARELLA
A imposição sexual
Desejos sexuais percorrem
circuitos de neurônios que
fogem do controle consciente.
Nos anos 1960, época em que os
homossexuais ousaram emergir
das sombras nos grandes centros
urbanos, os estudiosos, surpresos
com tantos homens e mulheres
que assumiam a homossexualidade publicamente, imaginavam
que a questão teria caráter puramente comportamental. O termo
"orientação sexual" se tornou tão
generalizado que se infiltrou nos
textos médicos, nos livros de psicologia e acabou aceito com orgulho pela própria cultura gay.
Essa visão, no entanto, jamais
explicou a existência da homossexualidade em todas as culturas
conhecidas, nem a precocidade de
sua instalação definitiva em meninos e meninas muito antes do
que costumamos chamar de idade da razão, nem o fato de que a
maioria da população é heterossexual sem ter sequer cogitado a
opção contrária.
Insatisfeitos com essa interpretação comportamental e entusiasmados com os avanços obtidos pelo Projeto Genoma a partir
dos anos 1990, os geneticistas têm
procurado identificar a influência dos genes envolvidos na orientação sexual.
Na semana passada, o debate
dos genes versus ambiente ganhou dimensões inesperadas com
a publicação na revista "Cell" de
uma pesquisa impecavelmente
conduzida na Academia Austríaca de Ciências, com drosófilas, as
mosquinhas que sobrevoam bananas maduras, modelos de tantos estudos genéticos.
Há vários anos foi descrita nas
drosófilas a existência de um gene-mestre (fru), capaz de orquestrar um grupo de genes encarregado de coordenar um circuito de
60 neurônios, responsável pela
condução dos estímulos sexuais
masculinos ou femininos. Basta
lesar um desses neurônios para
que o inseto não consiga se acasalar adequadamente.
O ato sexual nas drosófilas obedece a um ritual bem conhecido:
quando se aproxima da fêmea, o
macho encosta a perna na dela,
toca uma música com as asas para enternecê-la, lambe o sexo da
fêmea quando a música termina
e, somente depois, copula com ela
durante 20 minutos, rigorosamente.
No trabalho citado, os austríacos transplantaram a versão masculina do gene fru das drosófilas
machos para um grupo de fêmeas. E, num experimento paralelo, a versão feminina do mesmo
gene para um grupo de machos.
Para espanto geral, as fêmeas
que receberam a versão masculina de fru, quando levadas à presença de outra fêmea, adotavam
o ritual masculino: tocavam a
perna da outra, usavam as asas
para a música sedutora e tudo
mais. Quando colocadas em ambientes com moscas de ambos os
sexos, elas perseguiam sexualmente outras fêmeas sem dar a
mínima para o sexo oposto.
Ao contrário, quando a versão
feminina de fru foi transplantada
para os machos, eles se tornaram
mais passivos, desinteressados pelas fêmeas e atraídos por outros
machos.
No final os autores concluíram:
"Os dados mostram que comportamentos instintivos podem ser
especificados por programas genéticos da mesma forma que o
desenvolvimento morfológico de
um órgão ou de um nariz".
Há muito sabemos que comportamentos complexos em homens e
outros animais costumam acontecer sob a influência direta ou indireta de diversos genes. Geralmente são tantos que nos referimos a eles como "constelações de
genes". Por isso, a pesquisa dos
austríacos causou comoção nos
meios científicos e na imprensa
leiga (foi matéria de primeira página desta Folha e do "New York
Times", por exemplo).
Gero Miesenboeck, professor de
biologia celular em Yale, comentou os achados com as seguintes
palavras: "Essa é uma demonstração soberba. Pela primeira vez
fica demonstrado que um único
gene é capaz de controlar um
comportamento de alta complexidade. É intrigante a possibilidade de que outras características
comportamentais, como reagir
com violência às frustrações, fugir
quando assustado ou rir quando
alegre, podem estar programadas
nos cérebros humanos como produtos da herança genética".
Embora não haja certeza de
que em mulheres e homens exista
um gene equivalente ao gene fru
da drosófila, é preciso lembrar
que a genética humana sempre se
valeu das drosófilas para elucidar
nossos mecanismos básicos.
É muito provável que o comportamento sexual esteja sob o comando do que chamamos de programa genético aberto.
Programas abertos são aqueles
em que o catálogo de instruções
impresso no DNA admite, dentro
de certos limites, a inclusão de informações colhidas por aprendizado, condicionamento ou outras
experiências. Por exemplo, se vedarmos o olho esquerdo de uma
criança ao nascer, ao retirarmos a
venda três meses mais tarde ela
terá perdido definitivamente a visão desse olho, embora enxergue
normalmente com o outro. O programa genético responsável pela
distribuição dos neurônios da retina e no cérebro precisa interagir
com a luz para incorporar as informações necessárias ao desenvolvimento pleno da visão.
Na biologia moderna, o espaço
para o velho debate genes versus
ambiente está cada vez mais exíguo. O homem é resultado de
uma interação complexa entre o
programa genético contido no
óvulo fecundado e o impacto que
a experiência exerce sobre ele. Como disse o mestre Ernst Mayr, um
dos grandes biólogos do século
passado: "Não existe atividade,
movimento ou comportamento
que não seja influenciado por um
programa genético".
Considerar a orientação sexual
mera questão de escolha do indivíduo é desconhecer a natureza
humana.
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