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BIA ABRAMO
"Cristal" começa com inconsistências
A novela é de uma precariedade tão profunda que só pode ser programática
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NÃO DÁ muito para saber o que
é "Cristal". Olhando de relance, assistindo a uma cena
isolada entre dois toques do controle
remoto ou ouvindo um diálogo entre
uma notícia das bolhas nos pés de
Ronaldo e outra sobre a bunda de
Ronaldinho, pode nos fazer supor,
por um momento, que estamos
diante de uma paródia.
Sério. A novela é de uma precariedade tão profunda e consistente que
só pode ser programática, consciente daí se confundir com a paródia,
quando se arremeda um gênero com
fins humorísticos.
Como não é uma paródia e sim
uma novela, uma novela com a missão de brigar no horário agora concorridíssimo das sete e, ainda por cima, que foi "vendida" como uma espécie de volta em grande estilo do
SBT à teledramaturgia, não dá para
perdoar o excesso de inconsistências e a canhestrice geral do roteiro.
Segundo este último, estamos em
São Paulo, 2006, no submundo da
moda, do glamour, onde a empresária de um império, Vitória, resiste às
propostas "revolucionárias" do enteado de fazer uma coleção "prét-a-porter", coisa que causou choque lá
pelos anos 40, e isso apenas nos países que tinham uma alta costura expressiva, diga-se de passagem.
A executiva implacável e "workaholic", entretanto, guarda um segredo de juventude: ela abandonou um
bebê, fruto de um amor proibido entre ela, então empregada doméstica,
e o patrãozinho, então prometido
para a vida sacerdotal (um destino
muito comum naqueles longínquos
e lendários anos 80, dada a naturalidade com que é tratado o assunto pelo roteiro).
Esse bebê se tornará Cristal, uma
modelo de sucesso (o que muito raramente acontece com gente na casa
dos 20 anos).
Em ficção pelo menos razoável, as
implausibilidades podem ser relevadas em nome da fluência. Agora, se o
esforço é demasiado e nada mais
ajuda, nem a dramaturgia frouxa,
nem os diálogos artificiais (com erros crassos de concordância, ainda
por cima), nem a canastrice geral das
interpretações (com exceção de
Eliana Guttman), as inverossimilhanças assumem o primeiro plano e
impedem mesmo a fruição mais básica, mais rasa.
Essa aposta do SBT em novelas
"latinas" adaptadas (a "Cristal" original é mexicana) já deu certo outras
vezes, até mesmo como uma alternativa à Globo. Nesse cenário em
que a Record ameaça a Globo clonando com eficiência o padrão global de qualidade, jogar todas as fichas numa novela em tudo mais retrógrada e incompetente é arriscadíssimo.
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