São Paulo, domingo, 11 de junho de 2006

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BIA ABRAMO

"Cristal" começa com inconsistências


A novela é de uma precariedade tão profunda que só pode ser programática

NÃO DÁ muito para saber o que é "Cristal". Olhando de relance, assistindo a uma cena isolada entre dois toques do controle remoto ou ouvindo um diálogo entre uma notícia das bolhas nos pés de Ronaldo e outra sobre a bunda de Ronaldinho, pode nos fazer supor, por um momento, que estamos diante de uma paródia.
Sério. A novela é de uma precariedade tão profunda e consistente que só pode ser programática, consciente daí se confundir com a paródia, quando se arremeda um gênero com fins humorísticos.
Como não é uma paródia e sim uma novela, uma novela com a missão de brigar no horário agora concorridíssimo das sete e, ainda por cima, que foi "vendida" como uma espécie de volta em grande estilo do SBT à teledramaturgia, não dá para perdoar o excesso de inconsistências e a canhestrice geral do roteiro.
Segundo este último, estamos em São Paulo, 2006, no submundo da moda, do glamour, onde a empresária de um império, Vitória, resiste às propostas "revolucionárias" do enteado de fazer uma coleção "prét-a-porter", coisa que causou choque lá pelos anos 40, e isso apenas nos países que tinham uma alta costura expressiva, diga-se de passagem.
A executiva implacável e "workaholic", entretanto, guarda um segredo de juventude: ela abandonou um bebê, fruto de um amor proibido entre ela, então empregada doméstica, e o patrãozinho, então prometido para a vida sacerdotal (um destino muito comum naqueles longínquos e lendários anos 80, dada a naturalidade com que é tratado o assunto pelo roteiro).
Esse bebê se tornará Cristal, uma modelo de sucesso (o que muito raramente acontece com gente na casa dos 20 anos).
Em ficção pelo menos razoável, as implausibilidades podem ser relevadas em nome da fluência. Agora, se o esforço é demasiado e nada mais ajuda, nem a dramaturgia frouxa, nem os diálogos artificiais (com erros crassos de concordância, ainda por cima), nem a canastrice geral das interpretações (com exceção de Eliana Guttman), as inverossimilhanças assumem o primeiro plano e impedem mesmo a fruição mais básica, mais rasa.
Essa aposta do SBT em novelas "latinas" adaptadas (a "Cristal" original é mexicana) já deu certo outras vezes, até mesmo como uma alternativa à Globo. Nesse cenário em que a Record ameaça a Globo clonando com eficiência o padrão global de qualidade, jogar todas as fichas numa novela em tudo mais retrógrada e incompetente é arriscadíssimo.


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