São Paulo, sábado, 11 de junho de 2011

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ÁLVARO PEREIRA JÚNIOR

Paul Allen, o bilionário bege


Como alguém tão bege chegou a tal posição é um enigma, explicado em parte pelo livro "Idea Man"


A MAIOR emoção? Assistir à ignição de um motor de foguete. Gênero literário preferido? Provavelmente ficção científica. Uma grande lembrança sentimental da juventude? Nenhuma. Ligação amorosa? Nenhuma. Opinião sobre o mundo e as coisas? Nenhuma. Vida fora da tecnologia e das soluções técnicas em geral? Não existe. Grandes companheiros? A mãe e a irmã.
O parágrafo acima resume um livro triste, medíocre, estarrecedor. Ou melhor, uma vida triste, medíocre e estarrecedora. O livro, uma autobiografia, se chama "Idea Man", lançado há pouco nos EUA. A vida que ele conta é a de Paul Allen, 58, cofundador da Microsoft. Com US$ 13 bilhões, é o 57º homem mais rico do mundo. Como alguém tão bege chegou a tal posição é um enigma, explicado em parte por "Idea Man".
Como o título indica, Allen gosta de se retratar como um visionário. Bill Gates, amigo de adolescência e parceiro na Microsoft, seria o prático, o homem de negócios que soube enriquecer a partir das inovações propostas pelo sócio.
Gates e Allen fundaram a MicroSoft em 1975. Ganharam boa reputação e foram procurados, em 1981, pela IBM. A gigante azul buscava um sistema operacional para sua primeira linha de PCs.
Gates costurou aí o negócio do século. Comprou, de uma pequena empresa, um sistema operacional chamado QDOS. Pagou uma ninharia. Com Allen, fez algumas modificações e o licenciou para a IBM com um novo nome: MS-DOS.
A grande sacada: o licenciamento não era exclusivo. Os PCs foram um sucesso, e todos os concorrentes da IBM também quiseram o MS-DOS. Gates, alegremente, vendeu para todo mundo. Vende até hoje, só que o nome agora é Windows.
Em 1983, quando Allen deixou a Microsoft para se tratar de um linfoma, a firma tinha menos de 500 funcionários (hoje tem 90 mil). Ele nunca mais voltou à empresa e levou consigo quase 30% de participação. Em 1986, a Microsoft lançou ações na bolsa. Allen tornou-se bilionário.
A partir daí, dedicou-se com afinco a sua principal atividade até hoje: meter-se em projetos furados e perder dinheiro a rodo.
Pós-Microsoft, uma das primeiras iniciativas de Allen foi comprar um time de basquete. Perdeu centenas de milhões de dólares. Adquiriu uma equipe de futebol americano. Mais prejuízos colossais. Entrou no ramo de TV a cabo. Torrou bilhões. Lançou empresas de tecnologia de vanguarda. Quebrou quase todas.
Um dos capítulos mais simbólicos de "Idea Man" trata da entrada de Allen no mundo do cinema, como sócio da produtora DreamWorks. Foi monumentalmente enrolado pelos sócios: Steven Spielberg, David Geffen e Jeff Katzenberg. De algum modo, Allen aceitou investir nada menos que US$ 500 milhões. Os outros, somados, deram só US$ 100 milhões. Ainda assim, mantiveram o controle da empresa e escantearam Allen imediatamente.
A personalidade do autor é unidimensional. Exceto por dois pequenos trechos -um sobre a relação TV/internet, outro que trata dos dilemas atuais da Microsoft-, Allen não apresenta um único pensamento original.
Gasta páginas e páginas, por exemplo, descrevendo os detalhes técnicos de seu iate, o Octopus, de 125 metros de comprimento, sete andares e um submarino acoplado, para oito pessoas (amarelo, claro -Allen é roqueiro, embora não seja nada rock and roll).
Fala de seus vários encontros com Paul McCartney, Bono e Mick Jagger com evidente deslumbramento (sim, deslumbramento, US$ 13 bilhões de dólares depois), mas da maneira mais anódina possível. Namoradas, cita duas, uma de adolescência e outra já na vida adulta. Surgem do nada e desaparecem com igual rapidez.
Nos dias de hoje, Allen parece querer consolidar seu legado, seja ele qual for. Trinta anos depois de vencer um câncer, ele teve há pouco um novo linfoma, agora de um tipo mais grave. Aparentemente, está curado outra vez. Mas ainda é cedo para garantir.
Por fim, um elogio: em meio a tantas páginas de absoluta inexpressão, um trecho marcou. É quando Allen relembra uma das inúmeras vezes em que se sentiu trapaceado por Gates. "Essa é a diferença entre mim e Bill: eu sou filho de bibliotecário; ele, de advogado."
P.S. Sou novo por aqui. Venho do Folhateen. Espero que você me acompanhe, quinzenalmente aos sábados, nesta tentativa de virar adulto. Até.

AMANHÃ NA ILUSTRADA:
Ferreira Gullar


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