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NETVOX
O maior comercial de óculos escuros do mundo
MARIA ERCILIA
Editora de Internet
O que é "Matrix"? Ficção
científica sombria, profética,
inteligente?
Não. "Matrix" é uma coleção
de óculos escuros, atores fazendo biquinho, pedaços de filmes
alheios, diálogos pretensiosos e
embaraçosas poses de kung fu
(se você não viu o filme, é melhor parar por aqui; este texto
pode estragar algumas surpresas).
Juro que tentei ver algo mais
que merchandising, efeitos especiais e afetação em "Matrix".
Afinal, a idéia do filme é muito
interessante: o mundo que você
vê é um software, controlado
por máquinas que tomaram o
lugar dos homens -e de Deus.
Aquilo que chamamos de realidade seria um ópio eletrônico,
gerado para manter a ilusão de
controle dos seres humanos, escravizados às máquinas.
Em alguma reunião de estúdio, porém, a boa idéia deve ter
se perdido no meio de um excesso de efeitos especiais, casaquinhos de couro, cenários retrô e todas aquelas regras de
filme americano: tem que ter
final feliz, mocinho bonito, cena de ação com carro, prédio
explodindo e helicóptero, confronto final entre bandido e
bonzinho, beijo apaixonado na
mocinha -a lista completa deve estar pendurada em todas as
salas de reunião de Hollywood.
Só esqueceram o roteiro. Os
diálogos são pretensiosos e carregados de obviedades ("Imagine acordar de um sonho que
você sonhou a vida inteira. Como saber o que é sonho e o que
é realidade?"). Lawrence Fishburne, no papel de Morpheus, o
super-hacker que tira Keanu
Reeves de seu sonho eletrônico,
é obrigado a passar metade do
filme explicando o enredo do
próprio. A platéia acaba entendendo o que se passa -já Keanu Reeves, apesar de ouvir
atentamente as explicações do
mestre, continua com cara de
quem não sabe onde está.
E as citações. A sequência inicial, com a bonitona Trinity,
lembra a cena do andróide perseguido por Harrison Ford em
"Blade Runner". A "ressurreição" de Neo (Keanu Reeves)
lembra "Alien 4". A história
lembra um pouco "Os 12 Macacos". Os "agentes" lembram
"Terminator". "Matrix" me
lembrou até de filmes que não
vi: "ExistenZ", de Cronenberg,
também tem um mundo de
realidade virtual onde as pessoas se conectam pelo umbigo
(em "Matrix", é pela nuca).
Mas uma referência bem-encaixada numa obra é uma homenagem que se presta aos antecessores e uma maneira de
dar um sentido novo a determinado elemento narrativo.
Em "Matrix", as citações estão
mais próximas do plágio explícito. Ficou uma colcha de retalhos de filmes diferentes. O interrogatório de Neo parece um
pedaço de filme de Cronenberg,
claustrofóbico e surrealista. O
treinamento de kung fu já tem
um clima meio new age, com
aquela mistura de misticismo e
artes marciais. A batalha de
helicóptero lembra qualquer
filme de ação genérico com Mel
Gibson.
Mesmo esteticamente, "Matrix" já nasceu velho. Ninguém
aguenta mais sobretudo preto,
roupa de couro e cyberpunks
escondidos em corredores escuros. "Blade Runner" renovou o
alfabeto visual dos filmes de
ficção científica. "Matrix" dá
no máximo uma reembaralhada nele.
O excelente ator australiano
Hugo Weaving ("A Prova" e
"Priscila") é o único que não
perde o rumo nessa salada. O
agente Smith é uma presença
impressionante, com sua voz e
gestos de máquina. "Matrix"
tem ainda um único momento
de humor: quando o oráculo,
uma senhora simpática que assa biscoitos, olha atentamente
para Keanu Reeves e diz: "Você
é bonitinho. Mas não muito inteligente...".
Cronenberg comentou numa
entrevista o show-off de efeitos
especiais de "Matrix": "Esse tipo de coisa envelhece muito rápido. Minha equipe de efeitos
especiais certamente me ofereceu este tipo de tecnologia dos
comerciais da Gap, em que tudo é congelado no ar. Mas para
mim esse visual não serve".
A grande ironia de "Matrix"
é involuntária: já existe um simulacro da realidade, feito de
software, cada vez mais controlado por máquinas, e que submete os seres humanos a regras
ridículas -ele se chama Hollywood. "Guerra nas Estrelas -
Episódio 1" é o estado-de-arte
desse novo mundo: os pobres
dos atores são obrigados a
contracenar com bonecos 3-D
quase o tempo todo, em cenários artificiais.
E os óculos? Em "Truman
Show", todos os objetos do cenário estavam à venda. Em
"Matrix", você pode adquirir
os famigerados óculos escuros
dos protagonistas. Ao entrar
em www.whatisthematrix.com, o visitante é saudado: "Se está interessado em
comprar os óculos de "Matrix",
coloque aqui seu e-mail".
Espaço público
Marcos Novak, arquiteto que
desenvolveu uma teoria da Internet como espaço público, vai dar
uma palestra sobre o assunto no
próximo dia 16, em São Paulo (no
Sesc Belenzinho, a convite do Arte/Cidade e do Alumni). Novak,
criador do conceito de transarquitetura, também é artista e professor da Universidade da Califórnia.
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