São Paulo, quarta-feira, 11 de julho de 2001

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TEATRO

Gao Xingjian leva "À Beira da Vida" e "Dialogar-Surpreender" a festival

Nobel mostra duas peças em Avignon

BETTY MILAN
ENVIADA ESPECIAL A AVIGNON

O Prêmio Nobel de Literatura de 2001, Gao Xingjian, participa do Festival de Avignon com duas peças, "À Beira da Vida" e "Dialogar-Surpreender".
Em "À Beira da Vida" a história começa por uma ruptura. Uma mulher não suporta mais o homem com o qual ela vive. A usura do tempo revelou a grosseria da vida cotidiana, a vaidade e a impostura. A mulher, então, acerta as contas. Para isso faz uma investigação minuciosa sobre a própria vida. Fala de si mesma na terceira pessoa, fazendo releituras, invenções. Um monólogo atormentado, mas não sem humor de que a direção fez um coro polifônico. A palavra não é tudo. Ao lado da atriz, uma dançarina, um palhaço e um manipulador mostram a relatividade de todo discurso feito de palavras.
Trata-se de um ato narrativo que se realiza através de questões e respostas, à maneira dos kuan, diálogos filosóficos entre o mestre e o discípulo na escola budista que marcou o pensamento dos letrados chineses sob a dinastia Tang no início do século 7.
Tudo na peça depende do trabalho dos atores e de um dançarino japonês. É um diálogo desesperado entre um homem e uma mulher, que um monge dançarino acompanha em silêncio, desenvolvendo com um ovo e diferentes instrumentos de percussão o seu ritual. O homem usa o tu para falar de si. A mulher, o ela. Isso cria uma grande distância dos atores em relação a si mesmos e também entre si, evidenciando o mal estar entre os sexos.
A propósito da sua dramaturgia, Gao declarou à Folha: "A particularidade do meu texto é que o personagem fala na primeira pessoa, mas também na segunda e na terceira. Quando introduzimos essas três pessoas, o efeito sobre o trabalho dos atores é interessante. Assim, quando o ator diz tu referindo-se a si mesmo, cria-se uma distância e uma teatralidade que é inerente ao desempenho".
E completa: "A teatralidade da minha peça não está no espaço do teatro, ela está no trabalho do ator, que varia segundo o pronome que ele usa, o eu, o tu ou o ele. E, se houver um parceiro, que fala de si na terceira pessoa, a situação se complica ainda mais, ela se enriquece. Em "Dialogar-Surpreender" os personagens começam dizendo eu. De repente, usam o tu, e o espectador não sabe se o tu se refere a ele ou ao personagem. É precisamente essa ambiguidade que me interessa criar".


Betty Milan é psicanalista e escritora, autora de "O Clarão", entre outros.


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