São Paulo, segunda-feira, 11 de julho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

scritor critica análise da obra de Cervantes feita por colegas; Rushdie diz que seu novo livro é mais "comercial"

Suassuna defende sonho quixotesco na Flip

EDUARDO SIMÕES
ENVIADO ESPECIAL A PARATI

O escritor pernambucano Ariano Suassuna dedicou parte de sua fala ontem, no último dia da Flip, à crítica de dois de seus colegas na festa: o historiador Evaldo Cabral de Mello e o escritor Alberto Mussa. O primeiro, por ter comparado a Espanha de Dom Quixote aos EUA de Bush; o segundo, por ter dito que o personagem de Cervantes, que neste ano completa 400 anos, é egoísta.
Suassuna não disse os nomes dos escritores, mas tinha à mão uma entrevista de Mello concedida à Folha e um artigo de Mussa no "Globo", publicados no sábado. "É possível que meu conterrâneo compare, que diga que Bush está querendo espalhar democracia no mundo?", indagou Suassuna a uma platéia lotada. "A gente tem autoridade moral para dizer que o atentado em Londres foi uma monstruosidade, mas Bush e Blair, não. Fazem brutalidades e querem reclamar do revide?"
Suassuna criticou Mello ainda por ter dito, na entrevista, que a única figura da literatura brasileira que se aproximou de Quixote foi o capitão Vitorino Carneiro da Cunha, de "Fogo Morto", de José Lins do Rego. "É uma grande injustiça com Lima Barreto e "O Triste Fim de Policarpo Quaresma", que foi o Quixote brasileiro. E também com o Rubião de "Quincas Borba" de Machado de Assis", reclamou Suassuna.
Ao falar do artigo de Mussa, Suassuna fez uma pequena digressão: lembrou-se de uma pesquisa feita em 2000 para eleger o escritor do milênio que acabava, e que teve como vencedor William Shakespeare. E disparou: "Prefiro Cervantes. O maior personagem de Shakespeare é Hamlet, este sim um individualista. Quixote é quem parte para consertar o que está errado no mundo".
Evaldo Cabral de Mello e Alberto Mussa não foram encontrados pela reportagem da Folha para comentar as críticas. Suassuna, cuja palestra tinha como tema "Brasil, Arquipélago de Culturas", fez várias referências a Cervantes. Falou sobre a preguiça brasileira ou "o ócio criativo dos poetas brasileiros, como povo quixotesco que é". E lembrou que seu personagem Joaquim Simão, de "Farsa da Boa Preguiça", é um misto de Quixote e Sancho Pança.
A crise política brasileira apareceu apenas de modo sutil na fala de Suassuna. O escritor chorou ao lembrar-se que, no livro de Lima Barreto, Policarpo Quaresma era tido como homem ridículo, quixotesco, apenas porque amava seu país e seu povo. E, ao dizer que ficou surpreso com sua foto na capa da nova edição de uma revista literária, ironizou: "Que raça feia que é a de escritor. E, como disse o Roberto Jefferson, eu não estou me excluindo, não".

Rushdie
Na noite anterior, Salman Rushdie lançou "Shalimar, o Equilibrista" numa participação que seguiu os moldes de um "talk show", comandado pela jornalista britânica Mariella Frostrup, da rádio BBC. Rushdie disse que seu novo livro pode ser visto como mais comercial do que os anteriores e que pode até virar filme hollywoodiano, pois tem um bom número de personagens brancos.
Sobre a dimensão trágica de seus livros como reflexo dos dias de hoje, disse: "Se o mundo ficar mais alegre, espero escrever livros mais alegres também. Ou não". Ontem à noite Rushdie participou da mesa de encerramento da Flip, sobre "Livros de Cabeceira". Contou que começara a ler "Memórias de Minhas Putas Tristes", de Gabriel García Márquez. "Estou lendo com muito prazer. Em vários sentidos", brincou.

Texto Anterior: Humor de "Porca Miséria" vira livro
Próximo Texto: Política e terror dominaram as mesas da festa
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.