São Paulo, terça-feira, 11 de julho de 2006

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[+] entrevista

"Livros são um refúgio contra a violência"

DA REPORTAGEM LOCAL

A professora de literatura e cinema latino-americanos Ángela Pérez Mejía, que foi professora da Universidade Brandeis, em Boston, dirige a Biblioteca Luis Ángel Arango, a mais freqüentada da América Latina. Dependem da BLAA outras 16 bibliotecas pela Colômbia, mais uma sala de concertos, um museu numismático e a Coleção Botero, doada pelo famoso pintor colombiano, com quadros de Picasso, Klee, Bacon e Miró, entre outros, colecionados pelo mestre dos gordinhos nas últimas quatro décadas. Em entrevista à Folha, Pérez fala dos porquês de Bogotá se tornar um símbolo da democratização da leitura. (RJL)  

FOLHA - A senhora sente que as bibliotecas podem mudar a imagem da Colômbia, tão associada à violência?
ÁNGELA PÉREZ MEJÍA
- Não tenho provas científicas, mas não tenho dúvidas de que as bibliotecas ajudaram a mudar Bogotá. Nós, colombianos, temos vergonha de ser olhados no mundo como um país violento. Onde o futuro é tão incerto, a literatura vira um refúgio contra a violência, ela te oferece espaços para pensar que você pode mudar seu país. Nós nascemos na escassez, somos um país pobre. E nos surpreendemos em como a cultura pode mudar nossa realidade.

FOLHA - Em São Paulo, os grandes centros de convivência são os shoppings. A senhora falou que, em Bogotá, os shoppings não conseguem tirar público das bibliotecas. Como é possível?
PÉREZ
- O espaço público em Bogotá é precário. As bibliotecas foram pensadas como espaço público comunitário. A arquitetura não é apenas para ler, é para se encontrar. Há muita luz, muito lugar confortável para ler. Pensamos em comunidades, não em indivíduos. É diferente das bibliotecas americanas. Claro que temos espaços silenciosos para estudar, mas queremos espaços que promovam encontros. Investimos em arquitetura de qualidade, prédios que dão status ao ato de ler. Não são de portas fechadas. Elas são cercadas por espaços culturais, com que dialogam.

FOLHA - No Brasil, bibliotecas públicas são mais usadas para trabalhos escolares. Como transformá-las em centros culturais?
PÉREZ
- Nosso objetivo tem sido de desescolarizá-las. Ler não porque é obrigação, mas pelo prazer, porque ler é divertido. Há programação de arte, de música. Bibliotecas sem orçamento para renovar suas coleções ou que respondem às necessidades de seus leitores perdem público. Quando há espaços públicos bons, as pessoas vão. Visitei o Centro Cultural São Paulo e estava cheio.

FOLHA - A BLAA foi fundada em 1958. Mas só nos últimos anos houve essa febre pelos livros. Quando houve a mudança?
PÉREZ
- O país passou por programas de alfabetização muito bem-sucedidos nas últimas décadas. Temos 5% de analfabetos, um dos menores índices da região. Mas a resposta à mudança se chama continuidade. Não há políticas culturais que funcionem a curto prazo. O Banco de la República, que mantém a BLAA, é constante em seus investimentos e criou um público fiel. Sou a quarta diretora da BLAA, que tem 48 anos de existência. Meus antecessores ficaram, em média, mais de 15 anos no cargo.
Os governos municipais mantiveram a prioridade das bibliotecas nos últimos 12 anos, mesmo com prefeitos de partidos diferentes.
A BLAA, que não é municipal, colaborou para essa mudança, dando consultoria aos diferentes governos. Forças politicas distintas têm se unido em torno das bibliotecas do país.


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