São Paulo, quarta-feira, 11 de julho de 2007

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Mercado discute queda de público

Ineficácia dos filmes brasileiros na comunicação com a platéia e "aperto financeiro" do espectador explicariam o fenômeno

Para secretário do Audiovisual falta verba para divulgar os títulos nacionais, que duelam com os filmes de Hollywood, um "monstro de visibilidade"

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Cada vez mais filmes brasileiros chegam ao cinema -e menos gente vai vê-los. A queda de público dos longas nacionais no primeiro semestre de 2007 é de 14,7%, em comparação com igual período do ano passado.
O número de estréias, no entanto, subiu 39% nesse intervalo, segundo dados da Ancine (Agência Nacional do Cinema).
O descompasso entre a oferta e o consumo do filme brasileiro no mercado interno levanta uma dúvida incômoda: o defeito está nos filmes -incapazes de seduzir o espectador- ou no público -cujo gosto está "viciado" no padrão de Hollywood?
Apesar da queda na fatia nacional das bilheterias, projeções indicam que o ano de 2007 deve terminar com aumento no total de público, devido aos polpudos resultados obtidos pelos lançamentos estrangeiros.
Profissionais do mercado e setores do governo têm perspectivas diferentes sobre o enigma do caso brasileiro.
Apontando "culpa" dos filmes, o presidente do Sindicato dos Distribuidores do Rio de Janeiro, Jorge Peregrino, provoca: "Já se elegeu tudo quanto é vilão -a exibição, a distribuição, a [falta de] aliança entre TV e cinema. Vamos eleger o vilão da vez, que é o produto".
Por eliminação de alternativas, Rodrigo Saturnino Braga, diretor da Columbia/Buena Vista, chega a diagnóstico semelhante ao de Peregrino.

Gosto do público
"Há dinheiro para fazer filmes e há distribuidores mais do que suficientes. Portanto, não é problema do modelo de produção e de lançamento. Talvez o problema seja não estar encontrando o gosto do público."
Habituado a produzir sucessos como "Carandiru" (4,6 milhões de espectadores) e "Dois Filhos de Francisco" (5,4 milhões), Saturnino Braga amargou neste semestre decepções como "Caixa Doi$". Esperava-se mais de 1 milhão de espectadores. O filme teve 247 mil.
O produtor Diler Trindade diz que "não existe isso de os filmes estarem perdendo contato com o público. É uma interpretação subjetiva, até porque ninguém tem a fórmula do êxito".
Para Trindade, "o dado objetivo é que o dinheiro está curto para quem gosta do cinema nacional -as classes populares".
É a essa razão que o produtor atribui a queda de performance de seus antes assíduos sucessos. "Os filmes de Renato Aragão, que antes faziam 1,5 milhão de espectadores, agora fazem 750 mil. E os da Xuxa, que tinham público de 2 milhões, agora têm 1 milhão", diz.
Saturnino Braga também cita o poder aquisitivo do espectador como variável importante da equação. "A classe média está "apertada", portanto, mais seletiva. O público fica com medo de errar e só vai na boa", diz.
Mas se o filme brasileiro não tem sido "a boa" opção é porque há, sim, problemas no modelo de produção, na opinião do presidente da rede Cinemark Internacional, o executivo brasileiro Valmir Fernandes.

"Modelo questionável"
O executivo acha "questionável" o fato de a produção de filmes no Brasil ser subsidiada por incentivos fiscais, com o pretenso objetivo de desenvolver a indústria de cinema, sem que haja critérios para promover a realização de produtos "voltados para o mercado".
Para Fernandes, enquanto o filme nacional patinar na bilheteria, todo o mercado de cinema no país ficará aquém de suas possibilidades. "O Brasil é hoje o nono mercado de cinema mundial. Acho que poderia estar entre os cinco maiores."
O principal entrave, ele afirma, é o fato de que "sem um produto nacional forte, o mercado não cresce, porque não conseguimos atingir as camadas que hoje estão fora desse mercado", diz, referindo-se à população de baixa renda.
Mas o próprio Fernandes reconhece que o atual patamar de preços dos ingressos no Brasil é proibitivo para populações de baixa renda, qualquer que seja a atração em cartaz.
Nesse caso, ele debita "à enxurrada de leis de gratuidade e à distorção do uso da meia-entrada" a falta de "condições para uma política de preços adequada às camadas populares".
A atrofia do mercado interno, que vende a cada ano cerca de 90 milhões de ingressos, inquieta também Adhemar Oliveira, exibidor cuja rede Espaço Unibanco caracteriza-se como reduto de filmes nacionais.

Risível
"Olhando o tamanho do país, mesmo que o filme mais visto [no ano] faça 8 milhões de espectadores, a gente deveria considerar isso risível", diz.
Quanto à situação atual do filme brasileiro, Oliveira é outro adepto da tese de que os títulos recentes andam falhando na comunicação com a platéia.
O secretário do Audiovisual do Ministério da Cultura, Orlando Senna, acha que o que está faltando para o filme nacional é divulgação adequada.
"Não creio que o filme brasileiro esteja andando na contramão do público. Mas essa tese só poderia ser comprovada se os filmes nacionais fossem oferecidos ao público com a mesma visibilidade dada aos filmes americanos", afirma.
Para o secretário, "há uma defasagem entre o custo da produção [do filme nacional] e o que deveria ser o custo de sua difusão". Por meio das leis de incentivo, foram aplicados na produção de filmes brasileiros R$ 133,2 milhões em 2005 e R$ 163,7 milhões em 2006.
Senna diz que os filmes nacionais enfrentam "desequilíbrio", ao disputar a atenção do público, tendo "um monstro de visibilidade ao seu lado, que são os blockbusters americanos".
O presidente da Ancine, Manoel Rangel, constata que "temos elevado a produção [de filmes brasileiros], mas não temos elevado no mesmo nível a ocupação do mercado interno".
Rangel afirma que "a busca de novos caminhos passa por introduzir a lógica de retorno nos investimentos feitos em cinema e por planejar a ocupação do mercado interno".
Planejar a ocupação do mercado interno significa ter um calendário de grandes lançamentos espalhados ao longo do ano, como faz Hollywood.


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