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Mercado discute queda de público
Ineficácia dos filmes brasileiros na comunicação com a platéia e "aperto financeiro" do espectador explicariam o fenômeno
Para secretário do Audiovisual falta verba para divulgar os títulos nacionais, que duelam com os filmes de Hollywood, um "monstro de visibilidade"
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Cada vez mais filmes brasileiros chegam ao cinema -e
menos gente vai vê-los. A queda
de público dos longas nacionais
no primeiro semestre de 2007 é
de 14,7%, em comparação com
igual período do ano passado.
O número de estréias, no entanto, subiu 39% nesse intervalo, segundo dados da Ancine
(Agência Nacional do Cinema).
O descompasso entre a oferta
e o consumo do filme brasileiro
no mercado interno levanta
uma dúvida incômoda: o defeito está nos filmes -incapazes
de seduzir o espectador- ou no
público -cujo gosto está "viciado" no padrão de Hollywood?
Apesar da queda na fatia nacional das bilheterias, projeções indicam que o ano de 2007
deve terminar com aumento no
total de público, devido aos polpudos resultados obtidos pelos
lançamentos estrangeiros.
Profissionais do mercado e
setores do governo têm perspectivas diferentes sobre o
enigma do caso brasileiro.
Apontando "culpa" dos filmes, o presidente do Sindicato
dos Distribuidores do Rio de
Janeiro, Jorge Peregrino, provoca: "Já se elegeu tudo quanto
é vilão -a exibição, a distribuição, a [falta de] aliança entre
TV e cinema. Vamos eleger o vilão da vez, que é o produto".
Por eliminação de alternativas, Rodrigo Saturnino Braga,
diretor da Columbia/Buena
Vista, chega a diagnóstico semelhante ao de Peregrino.
Gosto do público
"Há dinheiro para fazer filmes e há distribuidores mais do
que suficientes. Portanto, não é
problema do modelo de produção e de lançamento. Talvez o
problema seja não estar encontrando o gosto do público."
Habituado a produzir sucessos como "Carandiru" (4,6 milhões de espectadores) e "Dois
Filhos de Francisco" (5,4 milhões), Saturnino Braga amargou neste semestre decepções
como "Caixa Doi$". Esperava-se mais de 1 milhão de espectadores. O filme teve 247 mil.
O produtor Diler Trindade
diz que "não existe isso de os filmes estarem perdendo contato
com o público. É uma interpretação subjetiva, até porque ninguém tem a fórmula do êxito".
Para Trindade, "o dado objetivo é que o dinheiro está curto
para quem gosta do cinema nacional -as classes populares".
É a essa razão que o produtor
atribui a queda de performance
de seus antes assíduos sucessos. "Os filmes de Renato Aragão, que antes faziam 1,5 milhão de espectadores, agora fazem 750 mil. E os da Xuxa, que
tinham público de 2 milhões,
agora têm 1 milhão", diz.
Saturnino Braga também cita o poder aquisitivo do espectador como variável importante da equação. "A classe média
está "apertada", portanto, mais
seletiva. O público fica com medo de errar e só vai na boa", diz.
Mas se o filme brasileiro não
tem sido "a boa" opção é porque há, sim, problemas no modelo de produção, na opinião do
presidente da rede Cinemark
Internacional, o executivo brasileiro Valmir Fernandes.
"Modelo questionável"
O executivo acha "questionável" o fato de a produção de filmes no Brasil ser subsidiada
por incentivos fiscais, com o
pretenso objetivo de desenvolver a indústria de cinema, sem
que haja critérios para promover a realização de produtos
"voltados para o mercado".
Para Fernandes, enquanto o
filme nacional patinar na bilheteria, todo o mercado de cinema no país ficará aquém de
suas possibilidades. "O Brasil é
hoje o nono mercado de cinema mundial. Acho que poderia
estar entre os cinco maiores."
O principal entrave, ele afirma, é o fato de que "sem um
produto nacional forte, o mercado não cresce, porque não
conseguimos atingir as camadas que hoje estão fora desse
mercado", diz, referindo-se à
população de baixa renda.
Mas o próprio Fernandes reconhece que o atual patamar de
preços dos ingressos no Brasil é
proibitivo para populações de
baixa renda, qualquer que seja
a atração em cartaz.
Nesse caso, ele debita "à enxurrada de leis de gratuidade e
à distorção do uso da meia-entrada" a falta de "condições para uma política de preços adequada às camadas populares".
A atrofia do mercado interno, que vende a cada ano cerca
de 90 milhões de ingressos, inquieta também Adhemar Oliveira, exibidor cuja rede Espaço Unibanco caracteriza-se como reduto de filmes nacionais.
Risível
"Olhando o tamanho do país,
mesmo que o filme mais visto
[no ano] faça 8 milhões de espectadores, a gente deveria
considerar isso risível", diz.
Quanto à situação atual do
filme brasileiro, Oliveira é outro adepto da tese de que os títulos recentes andam falhando
na comunicação com a platéia.
O secretário do Audiovisual
do Ministério da Cultura, Orlando Senna, acha que o que está faltando para o filme nacional é divulgação adequada.
"Não creio que o filme brasileiro esteja andando na contramão do público. Mas essa tese
só poderia ser comprovada se
os filmes nacionais fossem oferecidos ao público com a mesma visibilidade dada aos filmes
americanos", afirma.
Para o secretário, "há uma
defasagem entre o custo da
produção [do filme nacional] e
o que deveria ser o custo de sua
difusão". Por meio das leis de
incentivo, foram aplicados na
produção de filmes brasileiros
R$ 133,2 milhões em 2005 e R$
163,7 milhões em 2006.
Senna diz que os filmes nacionais enfrentam "desequilíbrio", ao disputar a atenção do
público, tendo "um monstro de
visibilidade ao seu lado, que são
os blockbusters americanos".
O presidente da Ancine, Manoel Rangel, constata que "temos elevado a produção [de filmes brasileiros], mas não temos elevado no mesmo nível a
ocupação do mercado interno".
Rangel afirma que "a busca
de novos caminhos passa por
introduzir a lógica de retorno
nos investimentos feitos em cinema e por planejar a ocupação
do mercado interno".
Planejar a ocupação do mercado interno significa ter um
calendário de grandes lançamentos espalhados ao longo do
ano, como faz Hollywood.
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