São Paulo, sexta-feira, 11 de agosto de 2000


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ARTIGO
Igual a Plínio Marcos, nosso bidu, ninguém fez

SÉRGIO DE CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Plínio Marcos não dava moleza. Veio da baixada santista e nunca largou os compromissos das primeiras esquinas. Que suas peças eram talento de ex-palhaço e vocação de semi-analfabeto, não engulo. O "Dois Perdidos numa Noite Suja", ele lambeu a idéia de um conto do Moravia.
Está certo que o Alberto D" Aversa que gostava de tudo o que ele fazia, italiano culto, disse que ficou melhor do que o Moravia. Amigo é para essas coisas. Outra amiga dele, a Pagu, tempos antes, fez o marido dela, o Geraldo Ferraz, ler o "Esperando Godot" do Beckett para um grupo de moleques de Santos. O Plínio bidu, que já entendia de dupla cômica de circo, achou fichinha e disse: "Igual a essa eu escrevo umas dez". Não fez igual, mas também igual ao nosso bidu ninguém fez.
Em suas grandes peças partiu do princípio de que "ao mal a gente tem que dar maldade mesmo". Sabia uma técnica de opressão dramática. O confinamento da consciência num quarto de pensão, numa cela de cadeia, num canto sujo, até o limite da desumanidade e do grito da miséria: "Será que eu sou gente?".
O Décio de Almeida Prado chegou a comparar com o "Huis Clos" do Sartre. Mas no inferno do capitalismo periférico a gratuidade e a violência têm menor autoconsciência. Somos menos do que indivíduos, ele mostrou em cena. Experimentava formas, jogava com estilos. Aquela sua onda mística, do "Jesus-Homem" e do "Madame Blavatski", não li, não tenho estômago para isso.
Definia-se como homem do movimento. Gostava de incomodar. Dizia que os andarilhos incomodam. Foi sempre camelô. Vendia livros na frente dos teatros elegantes, as madames ficavam com pena e compravam. Recusava-se a trabalhar para o lucro de distribuidores e livreiros. Escrevia como um ator. Gostava de um hino anarquista que diz: "Glória aos rebeldes que falharam". Se algum diretor lhe pedisse uma dica sobre personagens, falava "me trate como um autor morto". Agora que morreu, nós vivos devíamos discutir mais o teatro de um ponta firme como ele. Bidu valente. Se a canalhada ameaçava montar, saía pro pau. Dava risada depois.


Sérgio de Carvalho é dramaturgo e diretor da Companhia do Latão


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