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ARTIGO
Igual a Plínio Marcos, nosso bidu, ninguém fez
SÉRGIO DE CARVALHO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Plínio Marcos não dava moleza. Veio da baixada santista
e nunca largou os compromissos
das primeiras esquinas. Que suas
peças eram talento de ex-palhaço
e vocação de semi-analfabeto, não
engulo. O "Dois Perdidos numa
Noite Suja", ele lambeu a idéia de
um conto do Moravia.
Está certo que o Alberto D"
Aversa que gostava de tudo o que
ele fazia, italiano culto, disse que
ficou melhor do que o Moravia.
Amigo é para essas coisas. Outra
amiga dele, a Pagu, tempos antes,
fez o marido dela, o Geraldo Ferraz, ler o "Esperando Godot" do
Beckett para um grupo de moleques de Santos. O Plínio bidu, que
já entendia de dupla cômica de
circo, achou fichinha e disse:
"Igual a essa eu escrevo umas
dez". Não fez igual, mas também
igual ao nosso bidu ninguém fez.
Em suas grandes peças partiu
do princípio de que "ao mal a
gente tem que dar maldade mesmo". Sabia uma técnica de opressão dramática. O confinamento
da consciência num quarto de
pensão, numa cela de cadeia, num
canto sujo, até o limite da desumanidade e do grito da miséria:
"Será que eu sou gente?".
O Décio de Almeida Prado chegou a comparar com o "Huis
Clos" do Sartre. Mas no inferno
do capitalismo periférico a gratuidade e a violência têm menor autoconsciência. Somos menos do
que indivíduos, ele mostrou em
cena. Experimentava formas, jogava com estilos. Aquela sua onda
mística, do "Jesus-Homem" e do
"Madame Blavatski", não li, não
tenho estômago para isso.
Definia-se como homem do
movimento. Gostava de incomodar. Dizia que os andarilhos incomodam. Foi sempre camelô. Vendia livros na frente dos teatros elegantes, as madames ficavam com
pena e compravam. Recusava-se
a trabalhar para o lucro de distribuidores e livreiros. Escrevia como um ator. Gostava de um hino
anarquista que diz: "Glória aos rebeldes que falharam". Se algum
diretor lhe pedisse uma dica sobre
personagens, falava "me trate como um autor morto". Agora que
morreu, nós vivos devíamos discutir mais o teatro de um ponta
firme como ele. Bidu valente. Se a
canalhada ameaçava montar, saía
pro pau. Dava risada depois.
Sérgio de Carvalho é dramaturgo e diretor da Companhia do Latão
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