São Paulo, sábado, 11 de agosto de 2001

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HISTÓRIA

A pesquisadora americana Natalie Zemon Davis diz que vê elementos dos pedidos de remissão na ficção de hoje

Cartas de perdão influenciaram literatura

Folha Imagem
Cena de "Romeu e Julieta', texto que a historiadora considera exemplo de história com ingredientes narrativos das cartas de perdão


DA REDAÇÃO

"Quando eu era estudante, aprendíamos que, como historiadores, devíamos, cientificamente, ir despindo os elementos fictícios de nossos documentos para chegar aos fatos reais", diz Natalie Zemon Davis. Seu "Histórias de Perdão", entretanto, mostra que a pesquisadora se sentiu atraída justamente pelo processo inverso.
Em vez de descartar o que parecia constituir ficção nas cartas de perdão, resolveu estudá-las como um gênero literário específico. "Pude identificar nelas vários conceitos e valores que permaneceriam nos séculos posteriores na cultura ocidental. Hoje eu os encontro até quando leio jornais."
Leia abaixo os principais trechos da entrevista que a historiadora Natalie Zemon Davis deu à Folha, do Canadá.
(SYLVIA COLOMBO)

Folha - As histórias de perdão circulavam amplamente no século 16? Havia interesse geral da população sobre seus desfechos?
Natalie Zemon Davis -
Sim, essas histórias tinham forte teor dramático e, por isso, atraíam a atenção de muita gente. Imaginemos que, para serem perdoados, aqueles homens simples e ignorantes tinham de contar uma história ao rei que fosse merecedora de atenção e que lhes salvasse a vida. Era um risco altíssimo. Cada vez que alguém era perdoado e voltava para sua aldeia, tinha de contar inúmeras vezes quais artimanhas haviam sido utilizadas em sua narrativa para convencer o monarca. As histórias de perdão constituíam um gênero popular cuja divulgação oral foi intensa.

Folha - Elas influenciaram o teatro e a literatura do período?
Zemon Davis -
Sim, suas características podem ser encontradas em textos de ficção no século 16 e depois dessa data. "Romeu e Julieta", por exemplo, contém elementos da narrativa clássica de uma história de perdão. Romeu mata o primo de Julieta e é obrigado a partir para o exílio para um dia pedir perdão. A vingança e a clemência são também temas recorrentes no teatro do século 17.

Folha - Crê que o interesse atual por histórias de crime e mistério tem a ver com essas narrativas?
Zemon Davis -
Eu me impressiono com a frequência com que a estrutura narrativa das histórias de perdão aparecem na cultura ocidental. Essas semelhanças têm a ver com as semelhanças das leis ocidentais ao longo dos séculos e a noção de arrependimento que construímos. Também acho que o que entendemos por "notícia" é algo cultivado há muito tempo no Ocidente. As histórias de crimes relatadas no século 16 ajudam a entender porque atualmente os jornais populares exploram os crimes da maneira como fazem.

Folha - Em que está trabalhando atualmente?
Zemon Davis -
Estou escrevendo um livro sobre trocas culturais entre pessoas que migram em diferentes épocas. Um de meus personagens é um viajante árabe do século 16, que foi sequestrado por piratas cristãos e passou muitos anos na Itália como cristão. Muito do estudo se passa também no Suriname no fim do século 18, quando se dá uma interessante troca entre escravos e libertos.


HISTÓRIAS DE PERDÃO E SEUS NARRADORES NA FRANÇA DO SÉCULO 16. De: Natalie Zemon Davis. Tradução: José Rubens Siqueira. Editora: Companhia das Letras. Quanto: R$ 34 (298 págs.).



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