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HISTÓRIA
A pesquisadora americana Natalie Zemon Davis diz que vê elementos dos pedidos de remissão na ficção de hoje
Cartas de perdão influenciaram literatura
Folha Imagem
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Cena de "Romeu e Julieta', texto que a historiadora considera exemplo de história com ingredientes narrativos das cartas de perdão |
DA REDAÇÃO
"Quando eu era estudante,
aprendíamos que, como historiadores, devíamos, cientificamente,
ir despindo os elementos fictícios
de nossos documentos para chegar aos fatos reais", diz Natalie Zemon Davis. Seu "Histórias de Perdão", entretanto, mostra que a
pesquisadora se sentiu atraída
justamente pelo processo inverso.
Em vez de descartar o que parecia constituir ficção nas cartas de
perdão, resolveu estudá-las como
um gênero literário específico.
"Pude identificar nelas vários
conceitos e valores que permaneceriam nos séculos posteriores na
cultura ocidental. Hoje eu os encontro até quando leio jornais."
Leia abaixo os principais trechos da entrevista que a historiadora Natalie Zemon Davis deu à
Folha, do Canadá.
(SYLVIA COLOMBO)
Folha - As histórias de perdão circulavam amplamente no século
16? Havia interesse geral da população sobre seus desfechos?
Natalie Zemon Davis - Sim, essas
histórias tinham forte teor dramático e, por isso, atraíam a atenção de muita gente. Imaginemos
que, para serem perdoados, aqueles homens simples e ignorantes
tinham de contar uma história ao
rei que fosse merecedora de atenção e que lhes salvasse a vida. Era
um risco altíssimo. Cada vez que
alguém era perdoado e voltava
para sua aldeia, tinha de contar
inúmeras vezes quais artimanhas
haviam sido utilizadas em sua
narrativa para convencer o monarca. As histórias de perdão
constituíam um gênero popular
cuja divulgação oral foi intensa.
Folha - Elas influenciaram o teatro e a literatura do período?
Zemon Davis - Sim, suas características podem ser encontradas
em textos de ficção no século 16 e
depois dessa data. "Romeu e Julieta", por exemplo, contém elementos da narrativa clássica de
uma história de perdão. Romeu
mata o primo de Julieta e é obrigado a partir para o exílio para um
dia pedir perdão. A vingança e a
clemência são também temas recorrentes no teatro do século 17.
Folha - Crê que o interesse atual
por histórias de crime e mistério
tem a ver com essas narrativas?
Zemon Davis - Eu me impressiono com a frequência com que a
estrutura narrativa das histórias
de perdão aparecem na cultura
ocidental. Essas semelhanças têm
a ver com as semelhanças das leis
ocidentais ao longo dos séculos e
a noção de arrependimento que
construímos. Também acho que
o que entendemos por "notícia" é
algo cultivado há muito tempo no
Ocidente. As histórias de crimes
relatadas no século 16 ajudam a
entender porque atualmente os
jornais populares exploram os
crimes da maneira como fazem.
Folha - Em que está trabalhando
atualmente?
Zemon Davis - Estou escrevendo
um livro sobre trocas culturais
entre pessoas que migram em diferentes épocas. Um de meus personagens é um viajante árabe do
século 16, que foi sequestrado por
piratas cristãos e passou muitos
anos na Itália como cristão. Muito
do estudo se passa também no
Suriname no fim do século 18,
quando se dá uma interessante
troca entre escravos e libertos.
HISTÓRIAS DE PERDÃO E SEUS NARRADORES NA FRANÇA DO
SÉCULO 16. De: Natalie Zemon Davis.
Tradução: José Rubens Siqueira. Editora:
Companhia das Letras. Quanto: R$ 34
(298 págs.).
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