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"A MAGIA"
Pierucci dosa teoria e prática em "enciclopédia de bolso"
LUIZ MOTT
ESPECIAL PARA A FOLHA
"A Magia" é um daqueles
livros que a gente começa
a ler e só larga duas ou três horas
depois, ao chegar à última página.
O assunto é fascinante, o estilo coloquial do autor cativa, o concatenado dos capítulos, perfeito. Diga-me o leitor se não suspeita que
seu autor, Antônio Flávio Pierucci, doutor em sociologia da USP,
deve ser, subrepticiamente, fino
mestre feiticeiro, lançando mão
de algum sortilégio para que a
gente fique tão enfeitiçado por
sua obra!
Seja para quem nunca leu nada
mais sistemático sobre magia, seja para quantos têm leitura pontual sobre complexos mágicos específicos, "A Magia" é uma espécie de enciclopédia de bolso sobre
tema tão antigo e cada vez mais
atual, uma utilíssima mão na roda
para aprendizes e mestres.
De forma didática e precisa,
com bibliografia rica e atualizada,
distingue claramente magia de religião; conceitua e diferencia com
precisão magia espontânea e magia profissional; explica o porquê
da magia e as suas leis; compara-a, distinguindo-a da feitiçaria; critica o mecanicismo evolucionista
que metia num gradiente unilinear magia, religião e ciência como fases sucessivas do progresso
do pensamento humano universal.
Pierucci inicia pontuando a onipresença da magia no mundo
contemporâneo, pinçando inumeráveis e prosaicos gestos mágicos no nosso dia-a-dia, como a
leitura cotidiana do horóscopo, as
três batidinhas na madeira para
nos isolar de perigos desconhecidos, as medalhinhas, patuás e
santinhos de santo Expedito que
muitos carregam na carteira etc.,
etc.
Detecta três atitudes básicas perante o fenômeno mágico: a crença no carisma e em seu poder extraordinário, o ceticismo e a semi-crença; esta última, sintetizada no
aforismo popular: "Yo no creo en
las brujas, pero que las hay, las
hay!".
Nesta obra estão dosadas, com
maestria, a teoria e a prática mágicas: de um lado, a síntese do pensamento dos principais autores
que estudaram este fenômeno, de
Cícero, Durkheim, Max Weber,
Mauss, Frazer e Freud, a Bourdieu, Malinowsky, Delumeau,
Evans-Pritchard, Leach e Levi-Strauss, ilustrando com matéria
prima nacional extraída, entre
outros, dos trabalhos de Laura de
Mello e Souza, Reginaldo Prandi,
Yvonne Maggie.
Do outro lado, Pierucci compila, de forma enciclopédica, informação etnográfica sobre as principais manifestações de magia,
feitiçaria e espiritualidades quejandas, dissecando-as, comparando-as, distinguindo-as.
Ainda mais: transcreve, aqui e
acolá, textos originais de rezas
fortes, benzeduras para curar
achaques, receitas de "trabalhos"
e catimbós.
Enfim, tudo o que um simples
aprendiz de feiticeiro e também
uma bruxa mestre aspiram numa
obra introdutória sobre tema tão
vasto e complexo.
Enquanto lia "A Magia", me
perguntava: qual será a posição
pessoal/ideológica do autor, "vis-a-vis" o poder efetivo da magia,
posto que em nenhum momento
este cientista social desacredita ou
desmascara o lado irracional, manipulador, "ópio do povo", da
magia e das demais crenças/crendices baseadas nos poderes preternaturais?
Norteado pelo mais escorreito
relativismo cultural, em sua conclusão Pierucci parece valorizar
mais a magia do que a ciência ou a
religião, como tábua de salvação
ou "erzats" contra a aflição e o estresse da modernidade: "Ao tornar o mundo mais próximo das
nossas próprias mãos, ao deixar
os poderes superiores mais acessíveis à nossa própria vontade, a
magia delimita, define e aproxima
os resultados que promete. Nesse
sentido, magia é "empowerment"
de foco ajustado, ambição delimitada, parcial. A religião... bem, enquanto a vida eterna não vem,
mas em função dela, a religião
procura moralizar nossa vida neste mundo... Magia é vontade de
poder; religião, vontade de obedecer".
Como ateu militante que fiz da
ciência minha religião, só espero
que o encantamento dos que
acreditam neste "empoderamento" advindo da magia não cumpra a profecia de o feitiço virar
contra o próprio feiticeiro...
Luiz Mott é professor de antropologia
da Universidade Federal da Bahia e autor de "Dedo de Anjo, Osso de Defunto:
Os Restos Mortais na Feitiçaria Afro-Luso-Brasileira", entre outros
A Magia
Autor: Antônio Flávio Pierucci
Editora: Publifolha
Quanto: R$ 9,90 (113 págs.)
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