|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Crítica/cinema
Filme escorrega na cafonice ao retratar Ademir da Guia
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
O jogador Ademir da
Guia, filho do legendário zagueiro Domingos
da Guia, herdou do pai o epíteto
de "Divino", pela extrema elegância de seu jogo, louvada
num poema célebre de João
Cabral de Melo Neto.
O documentário "Um Craque Chamado Divino", dirigido
por Penna Filho, procura reconstituir o essencial da trajetória do craque.
Talvez por um desejo de discrição condizente com o estilo
sereno e "low profile" do retratado, o filme adota um formato
convencional, alternando lances de jogos com depoimentos
de cronistas esportivos, ex-colegas de profissão, amigos de
infância. É como uma longa
matéria especial de um programa esportivo.
Ocorre que os depoimentos,
um tanto repetitivos, quase
nunca escapam do laudatório, e
o resultado final acaba sendo
uma hagiografia, como já acontecia num documentário como
"Pelé Eterno", de Aníbal Massaini. Nenhuma palavra é dita,
por exemplo, sobre a controversa atuação do ex-jogador como vereador em São Paulo.
A pesquisa de imagens é muito boa, dando ao espectador
mais jovem uma idéia bastante
razoável da classe suprema de
Ademir da Guia. Mas, talvez
por uma limitação de nossos
arquivos futebolísticos, há quase só lances de gols de Ademir,
o que pode criar uma falsa imagem do craque como artilheiro,
quando sua principal virtude
era a organização e a armação
das jogadas.
Cafonice
Nos momentos em que tenta
ser "artístico", abusando da câmera lenta e dos jogos de palavras (como "Alegria de Domingos", "Alegria dos domingos",
"Guia da bola", "Guia do tempo"), o filme "perfuma a flor",
para usar uma expressão de
João Cabral, e se aproxima de
novo de "Pelé Eterno" naquilo
que este tem de cafona.
Alguns depoimentos, como o
do ex-colega de Palmeiras Dudu, ou dos amigos de infância
Helinho e Joscelino, são calorosos e reveladores. E vários
lances do craque são comoventes como uma obra de arte.
Mas é difícil imaginar que
"Um Craque Chamado Divino"
atraia ao cinema quem não é
aficionado do futebol. Talvez, a
exemplo do que ocorreu com
"Pelé Eterno", o destino mais
feliz deste documentário seja o
DVD ou a grade televisiva.
UM CRAQUE CHAMADO DIVINO
Direção: Penna Filho
Produção: Brasil, 2006
Quando: a partir de hoje no HSBC Belas Artes
Texto Anterior: Crítica/cinema: "Favela Rising" exagera nos clichês sobre o AfroReggae Próximo Texto: Raio-X Índice
|