São Paulo, sexta-feira, 11 de agosto de 2006

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Cinema/crítica

Neil Jordan cria filme artificial

CRÍTICO DA FOLHA

É difícil desenhar caminhos ou encontrar rastros de coerência na carreira de Neil Jordan, cineasta que pretende ser mais um contador de histórias do que um criador de imagens. Como narrador, Jordan atira para todos os lados, alternando momentos mais inspirados ("À Procura do Destino", "Traídos Pelo Desejo") a outros menos felizes ("Entrevista com o Vampiro", "A Premonição").
Mesmo tendo lá seus momentos, "Café da Manhã em Plutão" faz parte desse segundo grupo. Mais uma vez, Jordan adapta um livro de Patrick McCabe, que já foi fonte de inspiração para o cineasta em "Nó na Garganta" ("The Butcher Boy", de 1998). Mas "Café da Manhã em Plutão" tem muito mais pontos em comum com "Traídos pelo Desejo" (1992), filme que tornou o diretor irlandês conhecido e é infinitamente superior em todos os aspectos.
Nos dois casos, o cineasta procura combinar uma abordagem tradicional da política (o terrorismo e o Exército Republicano Irlandês) a outra mais contemporânea, a "política dos corpos", de questões ligadas à identidade e à sexualidade.

"Kitten"
Na Irlanda católica, machista e endurecida pela guerra civil nasce Patrick Braden (Cillian Murphy, indicado ao Globo de Ouro de melhor ator), um garoto que cresce sem esconder sua homossexualidade. Ele adota o nome de "Kitten" e se impõe na pequena cidade onde vive, sem dar muita bola para o que acham dele. O sexo não é uma questão para ele, que sempre teve muito claro para si o que queria da vida sexual e afetiva.
Mas seu entorno, é, sim, uma questão. Adotado por uma família local, sem conhecer seus verdadeiros pais, ele desconfia ser filho do padre (Liam Neeson) e sonha conhecer a mãe, que partiu e nunca mais voltou.
Descobrir seu paradeiro é o pretexto para que ele vá para Londres, em pleno desbunde dos anos 70, abandonando o provincianismo de sua cidade. Essa trajetória bacana, porém, sofre pelo fato de Jordan não ter encontrado o tom do filme. O diretor busca uma leveza que nunca é alcançada de fato, em parte pela falta de inspiração de sua "mise-en-scène", em parte pela inadequação do ator Cillian Murphy ao papel.
Murphy parece acreditar que voz afetada e um pouco de maquiagem são suficientes para dar credibilidade a um personagem homossexual, mas não convence. E Jordan não contorna esse problema. Ao contrário, toda sua direção reforça essa artificialidade que não parece ter sido uma meta em si, mas o resultado de um acúmulo de soluções equivocadas. (PEDRO BUTCHER)

CAFÉ DA MANHÃ EM PLUTÃO   
Direção: Neil Jordan
Produção: Inglaterra/Irlanda, 2005
Com: Cillian Murphy, Stephen Rea e Liam Neeson
Quando: a partir de hoje no Espaço Unibanco 1, Frei Caneca Unibanco Arteplex 1, HSBC Belas Artes/ Sala Cândido Portinari


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