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CINEMA
Festival de Veneza destaca máscaras da repressão
AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA
O júri presidido por Milos
Forman ("Um Estranho no
Ninho") fez essencialmente a coisa certa na concessão dos prêmios
da 57ª Mostra Internacional da
Arte Cinematográfica de Veneza,
encerrada no último sábado.
O Leão de Ouro atribuído ao
drama iraniano "O Círculo"
("Dayereh"), de Jafar Panahi, premia tanto o melhor filme da pouco inspirada disputa quanto o
concorrente que melhor trabalhava o tema dominante deste ano: o
das várias máscaras da repressão.
"O Círculo" articula, com rara
síntese dramática, três histórias
centrais de mulheres sob as restrições do cotidiano numa sociedade islâmica. Aproveitando uma
saída provisória do cárcere, elas
procuram resolver as próprias vidas. Pari teve o marido executado
e busca um aborto. Arezou enfrenta o assobio dos homens e a
proibição de fumar em público.
Por sua vez, tudo o que a jovem
Nargess quer é voltar para sua idílica cidade natal e se casar com o
antigo namorado.
Panahi, 40, conta agora três filmes -e três prêmios importantes. "O Balão Branco" (1995) valeu-lhe a Câmera de Ouro, o troféu para cineastas estreantes do
Festival de Cannes. "O Espelho"
(1997) saiu vitorioso de Locarno
(Suíça).
Ambos parecem rascunhos algo
piedosos frente à economia e à
contundência de "O Círculo".
Outras formas de repressão
marcam os demais premiados,
nem todos merecedores da
honraria. Apenas o decepcionante nível da competição justifica o
exagero de atribuir o Grande Prêmio do Júri a "Before Night Falls"
(Antes Que Anoiteça). O duplo de
cineasta e pintor Julian Schnabel
fora mais longe ao retratar "Basquiat", seu filme de estréia, do que
na reconstituição das perseguições ao escritor e dissidente homossexual cubano Reinaldo Arenas (1943-1990). Bastaria o justo
prêmio de melhor ator para Javier
Bardem.
Não cabe polêmica, porém, em
torno da premiação de duas jovens revelações do festival. A australiana Rose Byrne foi eleita melhor atriz pela difícil composição
de uma cega com passado traumático no modernoso "The Goddess of 1967" (A Deusa de 1967),
de Clara Law. Já a britânica Megan Burns, premiada como descoberta européia, rouba todas as
cenas em que participa como a
compreensiva Tereza de "Liam",
de Stephen Frears.
A luta contra os tentáculos familiares da Máfia e a denúncia da
violência ilimitada na Colômbia
contemporânea completam coerentemente o quadro com o prêmio de roteiro para o italiano "I
Centi Passi" (Os Cem Passos) e a
Medalha de Ouro da Presidência
do Senado para "La Virgen de los
Sicarios" (Nossa Senhora dos Assassinos).
De forma muito menos articulada, o indiano "Uttara" trata de
questões similares (desigualdades
sociais, patriarcalismo, violência).
Disso à absurda escolha do veterano Buddhadeb Dasgupta como
melhor diretor, há todo um universo.
O injustiçado da vez acabou
sendo o coreano "Seom" (A Ilha),
de Kim Ki-Duk. A trágica história
de amor num hotel de férias para
pescadores exige mesmo olhares
frescos e estômagos resistentes.
Não os encontrou no júri, mas há
de conquistar uma legião de espectadores pelo mundo afora. São
suas -e de "O Círculo"- as imagens mais fortes que nos deixaram o festival.
Vale registrar a bela acolhida,
logo nos primeiros dias do evento, ao documentário brasileiro "O
Rap do Pequeno Príncipe contra
as Almas Sebosas", de Paulo Caldas e Marcelo Luna. Exibido na
abertura da mostra paralela Novos Territórios, lotou sua primeira sessão, motivou um longo debate e ganhou elogios de jornais
como o "Corriere della Sera", "Il
Manifesto" e "Il Gazzettino"
("originalíssimo"). Melhor, impossível.
O jornalista Amir Labaki esteve em Veneza a convite da organização do festival
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