São Paulo, segunda-feira, 11 de setembro de 2000

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CINEMA
Festival de Veneza destaca máscaras da repressão

AMIR LABAKI
ENVIADO ESPECIAL A VENEZA

O júri presidido por Milos Forman ("Um Estranho no Ninho") fez essencialmente a coisa certa na concessão dos prêmios da 57ª Mostra Internacional da Arte Cinematográfica de Veneza, encerrada no último sábado.
O Leão de Ouro atribuído ao drama iraniano "O Círculo" ("Dayereh"), de Jafar Panahi, premia tanto o melhor filme da pouco inspirada disputa quanto o concorrente que melhor trabalhava o tema dominante deste ano: o das várias máscaras da repressão.
"O Círculo" articula, com rara síntese dramática, três histórias centrais de mulheres sob as restrições do cotidiano numa sociedade islâmica. Aproveitando uma saída provisória do cárcere, elas procuram resolver as próprias vidas. Pari teve o marido executado e busca um aborto. Arezou enfrenta o assobio dos homens e a proibição de fumar em público. Por sua vez, tudo o que a jovem Nargess quer é voltar para sua idílica cidade natal e se casar com o antigo namorado.
Panahi, 40, conta agora três filmes -e três prêmios importantes. "O Balão Branco" (1995) valeu-lhe a Câmera de Ouro, o troféu para cineastas estreantes do Festival de Cannes. "O Espelho" (1997) saiu vitorioso de Locarno (Suíça).
Ambos parecem rascunhos algo piedosos frente à economia e à contundência de "O Círculo".
Outras formas de repressão marcam os demais premiados, nem todos merecedores da honraria. Apenas o decepcionante nível da competição justifica o exagero de atribuir o Grande Prêmio do Júri a "Before Night Falls" (Antes Que Anoiteça). O duplo de cineasta e pintor Julian Schnabel fora mais longe ao retratar "Basquiat", seu filme de estréia, do que na reconstituição das perseguições ao escritor e dissidente homossexual cubano Reinaldo Arenas (1943-1990). Bastaria o justo prêmio de melhor ator para Javier Bardem.
Não cabe polêmica, porém, em torno da premiação de duas jovens revelações do festival. A australiana Rose Byrne foi eleita melhor atriz pela difícil composição de uma cega com passado traumático no modernoso "The Goddess of 1967" (A Deusa de 1967), de Clara Law. Já a britânica Megan Burns, premiada como descoberta européia, rouba todas as cenas em que participa como a compreensiva Tereza de "Liam", de Stephen Frears.
A luta contra os tentáculos familiares da Máfia e a denúncia da violência ilimitada na Colômbia contemporânea completam coerentemente o quadro com o prêmio de roteiro para o italiano "I Centi Passi" (Os Cem Passos) e a Medalha de Ouro da Presidência do Senado para "La Virgen de los Sicarios" (Nossa Senhora dos Assassinos).
De forma muito menos articulada, o indiano "Uttara" trata de questões similares (desigualdades sociais, patriarcalismo, violência). Disso à absurda escolha do veterano Buddhadeb Dasgupta como melhor diretor, há todo um universo.
O injustiçado da vez acabou sendo o coreano "Seom" (A Ilha), de Kim Ki-Duk. A trágica história de amor num hotel de férias para pescadores exige mesmo olhares frescos e estômagos resistentes. Não os encontrou no júri, mas há de conquistar uma legião de espectadores pelo mundo afora. São suas -e de "O Círculo"- as imagens mais fortes que nos deixaram o festival.
Vale registrar a bela acolhida, logo nos primeiros dias do evento, ao documentário brasileiro "O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas", de Paulo Caldas e Marcelo Luna. Exibido na abertura da mostra paralela Novos Territórios, lotou sua primeira sessão, motivou um longo debate e ganhou elogios de jornais como o "Corriere della Sera", "Il Manifesto" e "Il Gazzettino" ("originalíssimo"). Melhor, impossível.


O jornalista Amir Labaki esteve em Veneza a convite da organização do festival



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