São Paulo, quinta-feira, 11 de setembro de 2008

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ARTIGO

Beco sem saída do Oficina é escândalo

Sobre reportagem acerca de segurança nos teatros, diretor diz que Grupo Silvio Santos construiu muro de cimento na porta de passagem

JOSÉ CELSO MARTINEZ CORRÊA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A reportagem muito oportuna e necessária da Ilustrada do último domingo sobre o drama da segurança dos teatros de São Paulo contra incêndios peca por um drama maior, que o próprio texto revela na forma como foi tratado o assunto, fato este que se repete na maneira como os poderes público e privado, sobretudo o governo do Estado de São Paulo, tratam o assunto.
O Teat(r)o Oficina -incendiado em 1966, logo após o incêndio dos estúdios da TV Bandeirantes após sucessivas ameaças telefônicas de botar fogo em todos os lugares de cultura de São Paulo, feitas por grupos paramilitares que anunciavam o AI-5- atualmente é incendiado em fogo morno, é assunto que virou tabu nas pautas da mídia e contaminou a própria opinião pública. Sinto isso nas pessoas que me abordam na rua tediosamente e me perguntam à toa: "Como está a pendenga entre o grupo Silvio Santos e Oficina?".
Há 28 anos, Lina Bardi traçou um Teat(r)o Pé na Estrada, Rua, com entrada e saída dos fundos, para justamente resolver o impasse daquele lugar que desde a existência do antigo Teatro Novos Comediantes, onde estreamos há meio século, já tinha esse problema: teatro beco sem saída.
O Teat(r)o Oficina é tombado, desapropriado e parcialmente reconstruído pela Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, proprietária do imóvel (uma relação de 25 anos). É tombado também pelo Conpresp -órgão de preservação do patrimônio da Prefeitura de São Paulo. Esses poderes jamais moveram nem uma palha sequer para negociar com o grupo Silvio Santos uma passagem, para ao menos dar ao público do Teat(r)o Oficina direito a uma segunda saída de emergência, pelo lado norte da pista do teatro.
A reportagem nem menciona esse ESCÂNDALO!
Esse fato demonstra não somente o pouco caso à última obra de Lina Bardi, uma das maiores arquitetas do século 20, como à cultura produzida no lugar, uma cultura de buscas de saídas, que tem seu espaço castigado a metaforizar-se urbanisticamente como um beco sem saída.
A questão de segurança é apontada, mas não a da solução óbvia, há 28 anos pretendida pelo Oficina, que aliás pode ser resumida nos buracos contínuos que abrimos nas últimas décadas, nos arcos romanos dos fundos do teatro, tentando chamar a atenção dos responsáveis por essa falha mais que dramática, trágica.

Parede de cimento
No ano passado, o grupo Silvio Santos amurou de vez a passagem de segurança com uma parede de cimento, acrescida de aplicação de restos da 1ª Sinagoga de São Paulo, destruída pelo próprio Grupo SS inclusive, uma estrela de David. Essa meticulosa "obra de arte" macabra que chamamos de "Auschwitz" foi fotografada por Lenise Pinheiro no dia da reportagem.
Na matéria de domingo, a foto maior era de fios elétricos fora dos cabos no teto do Teat(r)o Oficina, facilmente revestíveis, como já estão sendo. A foto deste "Auschwitz", que acompanha esse meu texto, revela esse ESCÂNDALO, contribuindo assim à segurança de artistas, de técnicos e do público do Oficina. Agradeço à reportagem porque me dá ensejo de exigir imediatamente das autoridades responsáveis que negociem a abertura de uma passagem, independentemente do projeto que pretendemos criar no nosso entorno: "O Anhangabaú da Feliz Cidade".
O Oficina mais que merece comemorar seus 50 anos no dia dos santos meninos Cosme, Damião e Doum, na noite de 26 para 27 deste mês, com "Os Bandidos", de Schiller, tendo seus caminhos abertos.
Vamos transformar o drama desse tabu num totem, num sintoma de abertura real em nossa cidade, para os caminhos que toda a cultura mundial de mudanças exige. Ou vamos continuar nessa hipocrisia, como se essa oportunidade não existisse?


JOSÉ CELSO MARTINEZ CORRÊA é diretor de teatro


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