São Paulo, sábado, 11 de setembro de 2010

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Ultraviolência italiana, 32, ainda dói

Personagem punk Ranxerox, criado em 1978 por Tamburini e Liberatore, chega completo em edição de luxo

História em quadrinhos "amoral" e cheia de sangue foi umas das criações mais influentes do gênero


IVAN FINOTTI
DE SÃO PAULO

Já em 1978 Ranxerox causava polêmica. Batia em bebês, fazia sexo com uma menina de 12 anos e se drogava cheirando cascolar. As críticas vieram de todos os lados, considerando o personagem amoral, violento, alienado, alienante. Mais ou menos o mesmo que se falava dos Sex Pistols.
Mas em vez de alfinetes na camiseta (como Johnny Rotten) e cortes no próprio peito (como Sid Vicious), Ranxerox tinha uma tampa de panela na cabeça que lhe escondia os circuitos cerebrais e distribuía porradas a torto e a direito. Era um robô ultraviolento, montado a partir de uma máquina fotocopiadora destruída por "estudelinquentes" e apaixonado por uma ninfeta mal-humorada que o fazia de escravo, seja sexual, seja para mandá-lo conseguir heroína.
Defensores do robô evocam uma profunda crítica aos valores sociais de uma sociedade doente, blablablá. O fato é que Ranxerox foi uma das criações mais influentes, mais amadas e mais odiadas no último período realmente revolucionário das HQs, a década de 80.

TONS PASTEIS
Trinta anos depois, finalmente publicado completo no Brasil, Ranxerox choca menos. Mas só um pouquinho menos, o leitor vai perceber. A ultraviolência, mesmo depois de levada às telas em movimento liderado por Tarantino, ainda dói no papel.
Muito do choque se deve a Tanino Liberatore, que criou uma arte ultrarrealista, cheia de sombras e tons pasteis, inédita para a época. Mas o cérebro positrônico vem mesmo de Stefano Tamburini, o criador do personagem.
Figura do movimento estudantil italiano dos anos 70, foi o líder da geração de quadrinistas que criou revistas fundamentais e cultuadas, como a "Cannibale" (na qual Ranxerox estreou, em preto e branco, em 1978) e a "Frigidaire" (na qual o personagem ganhou cor, em 1980).
O fato de Tamburini ter morrido de overdose em 1986 não é detalhe. Em primeiro lugar, contribuiu para elevá-lo ao panteão dos incompreendidos que povoam o céu pop. Em segundo, deixou Ranxerox interminado. Foi só em 1997 que Liberatore se uniu ao roteirista francês Alain Chabat para dar um fim à trajetória infame do anárquico personagem. Essa história está no álbum publicado agora no Brasil, em capa dura, assim como as aventuras iniciais em preto e branco. Parte desse pesadelo foi publicado aqui pela "Animal", a partir de 1988.
E agora, um parágrafo para uma das mais carismáticas personagens da série, que aparece em poucos, mas inesquecíveis, quadrinhos: a minifilha da puta Carmencita. Com três anos e meio e problemas fonéticos semelhantes aos do Cebolinha, ela já encanta em sua primeira aparição, quando exclama: "Cai fola, calalho!". É a pura arte italiana.


RANXEROX

AUTORES Stefano Tamburini, Tanino Liberatore e Alain Chabat
EDITORA Conrad
QUANTO R$ 49,90 (192 págs.)




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