São Paulo, sexta, 11 de setembro de 1998

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CINEMA - ESTRÉIA
"Lolita', o original, é mais Kubrick que Nabokov

AMIR LABAKI
enviado especial a Veneza

Depois da "Lolita" de Adrian Lyne, volta às telas hoje a de Stanley Kubrick. A comparação é inevitável e pende quase unanimemente para a versão de 1962.
Vladimir Nabokov participou da adaptação de seu livro por Kubrick. Convidado, inicialmente recusou. Acabou por escrever um roteiro de 400 páginas. Incluiu situações que cortara do próprio romance. Topou reduzir tudo e chegou à metade.
Os créditos levam seu nome, mas Kubrick foi o verdadeiro responsável pela versão final. Nabokov jamais se rendeu e terminou por publicar, ainda em vida, seu roteiro para "Lolita" no cinema. É infilmável, assim como o que Jean-Paul Sartre preparou sobre Freud para o filme de John Huston.
Kubrick é um especialista em adaptar obras literárias que não acredita na necessária fidelidade na tradução das páginas para a tela. Seus filmes nascem dos livros, mas não buscam a justa versão.
Filme e livro devem se manter obras autônomas. Foi assim com "Lolita", como posteriormente com "Laranja Mecânica" (1972), "Barry Lyndon" (1976) e "O Iluminado" (1980).
Há de saída uma diferença de tom entre a "Lolita" de Kubrick e a de Nabokov. O filme é grotesco e pesado; o livro, mais irreverente e sarcástico. Apesar do recurso a flash-backs, a obra de Kubrick parece formalmente menos inventiva que a do autor russo, embora esteja longe dos textos mais experimentais de Nabokov, como, por exemplo, "Fogo Pálido" (Imago).
O essencial da trama se mantém. Um professor de literatura se apaixona por uma ninfeta e se casa com a mãe dela para facilitar a convivência. Morta a senhora, consuma-se a relação. Mudam de cidade, viajam pelos EUA, sempre em busca do equilíbrio impossível. A ruptura é inevitável, assim como o choque entre o sedutor, Humbert, e seu maior rival, Quilty.
Na "Lolita" de Kubrick, os cuidados com a censura deslocaram o foco. Há mais obsessão e culpa no Humbert fílmico. Tanto que o torturado James Mason foi uma escolha certeira para vivê-lo.
Se Humbert é outro na tela, Clare Quilty é praticamente uma criação kubrickiana. Pouco mais que um vulto no livro, agiganta-se no cinema com a presença explosivamente grotesca de Peter Sellers.
Sellers, aliás, está a merecer a devida revisão, restrito que está seu conhecimento pelas novas gerações como o Clouseau da série "A Pantera Cor-de-Rosa". Sellers é dos poucos cômicos da era sonora que se equipara aos gênios do humor mudo. Basta ver este "Lolita".
Vale tudo para esperar a estréia do novo Kubrick, "Eyes Wide Shut" (Olhos Bem Fechados), agora prevista para meados de 99. O trailer estaria ficando pronto, com Nicole Kidman exibindo os seios. Em um, estaria seu nome; em outro, o de seu marido e co-protagonista, Tom Cruise. Só Hitchcock entendia tanto de lançamentos quanto Kubrick.
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Filme: Lolita Direção: Stanley Kubrick Produção: Inglaterra, 1962, 152 min Quando: a partir de hoje, no Espaço Unibanco


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