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CONTARDO CALLIGARIS
Os jovens da Universidade Columbia e a guerra
No fim de semana passado,
estive no campus da Universidade Columbia, em Nova York.
Havia poucas bandeiras americanas nas janelas -bem menos do
que a média da cidade. Também
faltavam as bandeiras da paz. A
universidade foi, 30 anos atrás,
um centro ativo dos protestos
contra a Guerra do Vietnã. Mas,
no domingo, não encontrei um
cartaz que convocasse os estudantes para um debate ou para um
desfile sobre ou contra a guerra.
Nos bares do campus, não escutei nenhuma fala espontânea sobre o ataque. Desde 11 de setembro, alguns estudantes sequer foram para a ponta sul de Manhattan. Preferiram ignorar a destruição do World Trade Center.
Lancei uma conversa. Meu jovem interlocutor afirmou que o
ataque terrorista foi horrível e
que seria certo pegar os culpados,
mas reiterou que era contra qualquer guerra: não estava disposto
a correr o risco de ser chamado
numa leva de recrutas e não queria que morressem civis -nem
mesmo por engano.
Entendi assim: "Não queremos
nada que possa comprometer o
clima agradável no qual nos preparamos para ser a elite norte-americana de amanhã".
Em suma, os jovens que encontrei pareciam cheios de boas intenções, mas interessados sobretudo em seu bem-estar imediato e
futuro. Ia resignar-me à idéia de
que a juventude crescida na década próspera (os anos 90) fosse
propriamente cínica, quando
aprendi que um número relativamente alto de ex-alunos da Universidade Columbia morreu no
ataque do dia 11 de setembro.
Ou seja, meus interlocutores estudantes são destinados, eventualmente, ao tipo de emprego
que poderia levá-los a estar nas
torres gêmeas do World Trade
Center no dia do ataque.
Apesar disso, eles evitavam pensar nos mortos do dia 11 de setembro e preferiam lamentar as possíveis vítimas dos bombardeios da
resposta norte-americana.
Em outras palavras, eles reagiam como se não pudessem tomar partido de seus semelhantes
imediatos -como se, por alguma
regra implícita, fosse mais fácil e
mais justo identificar-se com os
afegãos do Taleban do que com
aqueles que, convencionalmente,
seriam "os seus".
Assim descobri que esses jovens
-nata das melhores escolas secundárias dos EUA- não são filhos cínicos do privilégio, querendo apenas preservar seu conforto.
Eles são, de fato, os filhos do grande projeto multiculturalista dos
EUA. Nas últimas duas décadas,
o país tentou levar a sério e realizar um dos corolários da cultura
ocidental moderna: a idéia de que
o convívio da comunidade humana deve ser possível para a espécie
toda, sem depender de etnias, raças e culturas. É assim que continua a antiga ambição norte-americana de apresentar ao
mundo uma sociedade exemplar.
Desta vez, é o exemplo da nação
em que conviveriam todas as nações. Por consequência, multiplicaram-se as políticas ativas para
que, no caso, as salas de aula fossem cultural, étnica e socialmente
heterogêneas, diversas.
Surgiram cuidados quase paranóicos para que, nessa diversidade, nenhuma posição fosse privilegiada. O resultado é uma juventude admiravelmente disposta a
reconhecer a humanidade dos
outros, por diferentes que sejam, e
com vergonha de aderir ao seu
próprio grupo étnico, social ou
mesmo nacional.
Esses jovens foram educados
para ser uma elite à altura do novo sonho americano: o de um país
em que todas as diferenças seriam
respeitadas com harmonia.
À primeira vista, deveríamos
festejar a chegada dessa geração,
que acredita num mundo de convívios pacíficos. Mas há um problema: a educação que faz desses
jovens os campeões do multiculturalismo, pode torná-los ineptos
em caso de enfrentamento.
Pelo ensino que receberam, eles
acham sempre que o mais urgente é entender as razões dos outros.
É uma atitude bonita, mas que os
impede de reconhecer os inimigos
e, portanto, de defender-se.
Não sei se os bombardeios desses dias são a melhor ou a única
estratégia possível contra o terror.
Mas concordo com a idéia de
Tony Blair -de que a inação pode comportar mais riscos do que a
ação. Ora, o que aconteceria se esses jovens tivessem a responsabilidade de enfrentar os projetos geopolíticos de um assassino ambicioso como Osama bin Laden?
Outro problema, em perspectiva: a nova geração multiculturalista não resolve a antiga fratura
social americana. Ao contrário.
Na América profunda, o multiculturalismo teve certamente o
efeito concreto de diminuir as segregações raciais e sociais. Mas
ele não veio a ser a ideologia positiva dominante. Os jovens dessa
América menos favorecida continuam sabendo reconhecer e determinar seus inimigos.
Eles irão para a guerra. Darão,
se for preciso, suas vidas para defender uma elite que preservará
não só seus privilégios, mas também sua boa consciência. Pois essa nova elite, assim protegida,
dar-se-á o luxo de desaprovar
qualquer guerra e de menosprezar seus próprios combatentes,
perguntando do alto de seu conforto: afinal, por que eles teimam
em ver inimigos onde só há sujeitos diferentes de nós, na espera de
nossa benévola compreensão?
E-mail: ccalligari@uol.com.br
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