São Paulo, sexta-feira, 11 de outubro de 2002

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MÚSICA/LANÇAMENTOS

"ODEON 100 ANOS"

Em 45 volumes, série recupera clássicos e obscuridades

EMI se rende ao fetiche em coleção repleta de relíquias

DA REPORTAGEM LOCAL

A gravadora EMI chega atrasada à atual tendência das gravadoras em reeditar material raro de seus arquivos e coloca em circulação a grande coleção "Odeon 100 Anos", destinada a comemorar o aniversário de sua fábrica-matriz.
São 45 CDs nacionais, a maioria deles (mas não a totalidade, como apregoa o marketing) inédita em CD. A fileira de títulos raros e esquecidos pelo cotidiano da grande MPB já faz classificar a coleção na categoria de fetiche.
Nela cabem punhados de títulos tão brilhantes quanto ofuscados na memória oficial (Luiz Bonfá, Marcos Valle, Lô Borges, Orlandivo...), assim como outros tantos que valem mais pelos rastros de curiosidade deixados em seu sumiço que a sua excelência.
É o caso, por exemplo, de "Muito pra Frente" (65), do Quarteto Sambacana. Ninguém sabe que Sambacana é esse, certo? Pois é o conjunto vocal em que estreou o cantor Milton Nascimento, fazendo voz de frente a uma transitória sonoridade tipo Os Cariocas.
O espírito dos títulos escolhidos denota o gosto musical extra-Titãs de seu coordenador, Charles Gavin: tudo, ou quase tudo, gira em torno das fusões de samba com jazz, soul, funk, iê-iê-iê.
A coleção quebra padrão recente da EMI, de só remexer catálogo para lançar compilações de paupérrimo tratamento visual. As capas originais são recuperadas, embora a padronização de encartes e contracapas ainda privilegie estética duvidosa e ausência de textos analíticos (obrigatórios em edições dessa natureza). Pior: há uma confusão generalizada nas datas originais dos discos, não por desconhecimento, mas por mera falta de revisão.
Sem espaço para comentar um a um os relançamentos (leia lista completa à direita), a Folha aponta a seguir alguns destaques, entre clássicos, curiosidades e relíquias.

Instrumentais - O samba-jazz é agraciado em espectro que vai do quase erudito em Luiz Eça e Astor ao quase iê-iê-iê em Walter Wanderley. Na tangente, o Quarteto Novo (Hermeto Pascoal, Airto Moreira, Théo de Barros e Heraldo do Monte) alçava vôo próprio em 67, enquanto acompanhava Geraldo Vandré nos festivais. Vandré, em si, ficou de fora.

Donato em dois tempos - Se "Chá Dançante" (56) flagra um João Donato jovem, iniciante e convencional -tocando acordeom-, o fenomenal "Quem É Quem" (73) apanha-o no início da borbulhante fase afro-MPB.

Adolfo e Beth - O samba-jazz de Antonio Adolfo ganhava adição vocal em 67, com a transformação de seu Trio 3D em Conjunto 3D. A crooner era a futura sambista militante Beth Carvalho, então pródiga em vocais suaves.

Elza e Wilson - Das duas reedições de Elza Soares, uma é do histórico disco em parceria com o baterista Wilson das Neves, de 68. É só ouvir sua versão para "Deixa Isso pra Lá" (sucesso com Jair Rodrigues) para sentir o espanto.

Doris Monteiro - A voz de veludo molhado da grande cantora é honrada em disco de 70, em que abandona a exclusividade da bossa e embarca em riquíssimas nuanças MPB e samba-rock.

Tim, Tornado e Noriel - "A Onda É Boogaloo" (69), do jovem-guardista Eduardo Araujo, foi uma das primeiras vitrines para Tim Maia, produtor e autor de versões do disco. A inconstância de Toni Tornado aparece em dois nem sempre certeiros LPs; mas o primeiro traz o clássico de festival "BR3", e o segundo, o funkaço "Podes Crer, Amizade". Já Noriel Vilela, cantor do standard samba-rock "16 Toneladas", fez em 69 pela Odeon um LP umbandista, forrado de vozeirão e temas-tabu.

"Irmãos Coragem" - Cesar Camargo Mariano comanda o Som Três no "LP do Tobogã" (70), sem Simonal (que o trio acompanhava) e com a versão instrumental do tema épico de novela "Irmãos Coragem". Nonato Buzar, outro ideólogo de Simonal, aparece no esdrúxulo "O País Tropical Via Paris" (75). O próprio Simonal, revelado pela Odeon, fica fora.
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)



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