São Paulo, sexta-feira, 11 de outubro de 2002

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CRÍTICA

Filme só tem um sentido

DO CRÍTICO DA FOLHA

"Estrada para Perdição" é um título com duplo sentido, diz o "release" para a imprensa do novo filme de Sam Mendes. Perdição é a cidade para onde Michael Sullivan (Tom Hanks) viaja com seu filho, também Michael, único remanescente de um massacre que vitimou sua família.
O segundo sentido de perdição é esse mesmo: o caminho seguido pelo matador Sullivan por fidelidade ao gângster John Rooney (Paul Newman) e por conforto. Estamos em 1931 e sua vida corre razoavelmente bem até que Michael Jr. decide descobrir o que o pai faz da vida e testemunha um assassinato cometido por Connor, o filho de John Rooney.
Connor, um completo psicopata, toma as providências para que a família Sullivan suma do mapa. Seu êxito é parcial: massacra a mulher e o filho menor. Sullivan parte, então, para a vingança.
Também o êxito de Mendes aqui é apenas parcial. O argumento trabalhado pelo produtor Dean Zanuck é daqueles que ajudaram a fazer a glória de seu avô, Darryl, há uns 70 anos. É verdade que, em 1930, Sullivan não seria tão solitário: teria juntado-se à polícia e ajudado a desbaratar a gangue. Mas estamos em 2002 e Sullivan é condenado à mais plena solidão.
A diferença é significativa: nos anos 30, acreditava-se no Estado e em suas instituições; hoje, não existe mais instituição que ampare os indivíduos, que nos dê a impressão de um mundo regido pelo Estado. Essa atualização do universo clássico é o ponto forte de "Estrada para Perdição".
A contrapartida é o aspecto "artístico" da empreitada. Tudo se organiza em torno de uma mensagem. A fuga/vingança de Sullivan e seu filho serve para que o pai possa dizer ao menino: não siga o meu exemplo, evite essa vida.
Moralismo tolo e redutor. Em primeiro lugar porque nega as premissas lançadas na introdução (Sullivan faz o que faz porque não tem escolha). E em segundo lugar porque sugere, desde a opção pelo filme de gângster, que a experiência do homem moderno é feita de imperfeição, de provisório (nada a ver com o mundo patriarcal em que se movem os gângsteres), para num segundo momento estreitar bruscamente o caminho e nos lembrar que, nesse mundo incerto, resta uma certeza: a família.
Com isso, temos com "Estrada para Perdição" um título com duplo sentido, mas um filme com um sentido só (apesar de Paul Newman, cada vez mais notável, e, em menor escala, Tom Hanks). (INÁCIO ARAUJO)


Estrada para Perdição
Road to Perdition
  
Direção: Sam Mendes
Produção: EUA, 2002
Com: Paul Newman, Tom Hanks
Quando: a partir de hoje nos cines Butantã, Eldorado, Ibirapuera, Metrô Santa Cruz, Shopping D e circuito




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