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São Paulo, sábado, 11 de outubro de 2003

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Ciclo de palestras "Poetas que Pensaram o Mundo" procura desfazer cisão histórica entre pensamento e poesia abordando obras de autores clássicos

PRA QUE RIMAR AMOR E DOR?

Adriana Zebrauskas - 7.nov.94/Folha Imagem
Torre de livros do artista eslovaco Matej Kren, apresentada na Bienal de Artes Plásticas de São Paulo em 1994


ROGÉRIO EDUARDO ALVES
DA REPORTAGEM LOCAL

A divisão entre os que vivem para pensar e os que vivem para sentir sempre foi acirrada. De um lado segregam-se os filósofos, de outro, os artistas, mais especificamente, os poetas. Quantas vezes não se ouve falar da inspiração que um poeta precisa para tecer seus versos? Bobagem.
Assim como filósofos podem pensar a estrutura do mundo e suas complexas ramificações em uma prosa rigorosa, os poetas podem retratá-las em seus versos sempre tão sensíveis ao mundo e construídos minuciosamente.
Para reordenar essas forças, foi organizado o ciclo de palestras intitulado "Poetas que Pensaram o Mundo", que começa terça-feira no Rio, quarta em Brasília e quinta em São Paulo. Até o dia 8 de novembro, conferencistas se alternam entre os auditórios do Centro Cultural Banco do Brasil dessas cidades abordando o trabalho de 15 autores da literatura mundial que podem ser considerados poetas-pensadores.
"Notamos que um dos problemas é sempre se estabelecer uma oposição entre poesia e pensamento. É como se o poeta, dito com o senso comum, sente, e o filósofo e o sociólogo pensam. E não é isso. Como o próprio Fernando Pessoa diz "o que em mim sente está pensando". Queremos desfazer um pouco essa cisão que existe dos dois lados. Dicotomias que não funcionam", diz Adauto Novaes, 65, professor e curador do evento.
Nas palavras do poeta Antônio Cícero, que falará sobre a obra de Friedrich Hölderlin (1770-1843), "todos os grandes poetas são também pensadores. Isso não quer dizer que todos os grandes poetas sejam grandes filósofos, pois, embora todos os filósofos sejam pensadores, nem todos os pensadores são filósofos".
Como pretexto para a discussão foi lembrado o centenário do poeta Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), comemorado no ano passado. "Achamos que a melhor maneira de homenagear Drummond é colocá-lo na constelação dos grandes poetas-pensadores. Na verdade, quem o está homenageando são esses grandes autores", diz o curador.
Além do itabirano (MG), único representante nacional, a lista tem, entre outros, Charles Baudelaire (1821-1891), T.S. Eliot (1888-1965), Homero e William Shakespeare (1564-1616). Todos eles serão apresentados por, na maioria, filósofos, ou ainda autores e professores que transitam entre os dois lados do conhecimento.
É o caso da primeira palestra. O professor de literatura da Universidade de São Paulo e músico José Miguel Wisnik trata da obra de Drummond. Sua abordagem analisará como a reflexão poética do escritor empreendeu a visão dos "impasses" do mundo contemporâneo, "rebatidos na possibilidade e na impossibilidade da poesia, na sua impotência e na sua potência".
O símbolo dessa sintonia cosmogônica de Drummond está representado no poema "A Máquina do Mundo". Nesse texto o poeta relê a posição do homem a partir de uma figura clássica da literatura, a chamada "máquina do mundo", onde são reveladas as engrenagens mais secretas do universo. Uma das primeiras formas em que ela foi apresentada foi pelo racionalismo de Lucrécio (c. 99-55 a.C), em "De Rerum Natura", tema do filósofo Francis Wolff, e mais tarde pela epopéia de Camões (c. 1520-1580) em "Os Lusíadas", tema do professor de literatura João Adolfo Hansen.
"Os grandes poetas possuem uma sensibilidade enorme para pensar o mundo de uma maneira cosmogônica, numa explicação da natureza material e espiritual desse mundo", diz Novaes.
Para compor essa "história das idéias pela poesia", como classifica Novaes, destacam-se ainda algumas participações internacionais, como a do poeta, filósofo e ensaísta Michel Déguy, redator-chefe da revista "Poésie".
As palestras serão reunidas em um livro pela Companhia das Letras, como vem acontecendo desde 1987, quando Novaes organizou o ciclo "Os Sentidos da Paixão". Recentemente, foram publicadas as conferências do ciclo "O Homem-Máquina" e está no prelo o volume "Civilização e Barbárie". A coleção já vendeu cerca de 180 mil exemplares.

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