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LITERATURA
"HISTÓRIA DO OLHO"
Sexualidade conduz romance alheio a convenções
Narrativa de Georges Bataille conjuga o poético e o obsceno
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Um "conto de fadas "noir'"
-é assim que a tradutora e
crítica Eliane Robert Moraes define "História do Olho", de Georges
Bataille (1897-1962), em seu excelente prefácio à nova edição brasileira do livro.
Publicada originalmente em
1928, sob o pseudônimo de Lord
Auch, essa narrativa "sui generis"
inaugura uma obra literária e filosófica que conjuga como nenhuma outra do século 20 o erótico e
o sagrado.
No livro, dois adolescentes -o
narrador e sua amiga Simone-
perfazem uma trajetória de experimentos eróticos cada vez mais
sádicos, numa atmosfera onírica e
fantasmática. Um percurso que se
inicia de modo quase inocente
numa praia da França e culmina,
num ápice de crime e perversão,
na ensolarada Andaluzia.
A ação é conduzida pela sexualidade infantil, perversa e polimorfa, à revelia do princípio de realidade. O espaço em que ocorre,
mesmo definido geograficamente
(uma "plaza de toros" de Madri,
uma igreja de Sevilha), é maleável
como o dos sonhos. E a linguagem é feita de associações de imagens e palavras.
Como observa Roland Barthes
em artigo incluído na edição, há
no livro duas cadeias de metáforas, uma delas ligada ao olho e às
figuras esféricas correlatas (ovo,
testículo, bunda, sol) e a outra aos
líquidos e secreções (água, urina,
esperma, sangue). Esses elementos são esmiuçados em outro ensaio do volume, "Nos Tempos de
Lord Auch", de Michel Leiris.
Numa espécie de epílogo a
"História do Olho", sob o título
"Reminiscências", Bataille aponta
o que seriam as chaves autobiográficas de seu livro.
No centro de tudo estaria a imagem do pai do autor, cego e paralisado pela sífilis, que revirava o
olho enquanto urinava em sua cadeira de rodas. E um episódio
marcante da história -a extirpação do olho do "matador" Granero pelo chifre de um touro- fora
presenciado pelo jovem Bataille
na arena de Madri.
Mas esses elementos referenciais são submetidos a um processo poético que só respeita suas leis
internas de construção.
Alheio às convenções literárias e
morais, Bataille cria uma escrita
ao mesmo tempo translúcida e
misteriosa. É um poeta-filósofo
de primeira grandeza.
História do Olho
Autor: Georges Bataille
Tradutora: Eliane Robert Moraes
Editora: Cosac & Naify
Quanto: R$ 37 (135 págs.)
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