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"O SIGNO DO CAOS"
Último filme de Sganzerla luta contra o esquecimento
CRÍTICO DA FOLHA
Em "O Signo do Caos" existe,
primeiro, o fato: em 1942, Orson Welles vem ao Brasil para filmar uma parte de seu projetado
filme latino-americano. O governo brasileiro, também é verdade,
não vê com bons olhos essa história de o gênio americano ficar filmando jangadeiros e Carnaval.
Não é a boa "imagem do Brasil"
(o Brasil é obcecado por sua boa
imagem -como dizia Rogério
Sganzerla, isso faz parte do nosso
narcisismo: gostamos de ser vistos, mas não de ver).
Depois vem a obsessão. O determinante para o fim do projeto wellesiano foi, provavelmente, menos a interferência do governo
Vargas do que o fato de Welles ter
caído em desgraça na RKO, com a
mudança de direção do estúdio.
Para Sganzerla (1946-2004), o
que conta não é isso. Em sua visão, a coisa se passa assim: o Brasil
impede Welles de filmar. Ao fazê-lo, o Brasil renuncia à imagem, à
possibilidade de ter um cinema.
Renunciar ao próprio cinema significa renunciar a constituir-se
como civilização. Pois onde já se
viu um país sem imagem? É como
um vampiro, que não pode olhar
no espelho, pois não há nada para
refletir. É em torno disso que
Sganzerla desenvolve seu último
filme, amargo e bem-humorado.
O amargor, de onde vem? O cinema brasileiro moderno tem
dois gênios: Glauber Rocha e
Sganzerla. Sobre este sempre pesou a sombra da impossibilidade.
Após um começo de carreira fulgurante, com "O Bandido da Luz
Vermelha", é como se tudo tivesse conspirado contra: o Brasil, a
burocracia cinematográfica, a elitização do cinema. Sganzerla parecia ter claro que o cinema só poderia ser, no Brasil, uma arte popular, como o rádio e a chanchada. O cinema foi para outro caminho: trocou o povo pela ambição
de ser uma arte de classe média. E
o Brasil ficou privado de imagem
-no entender de Sganzerla (ou
de como eu tento entendê-lo, em
todo caso). Daí "O Signo..." se definir como um "antifilme".
Cheio de humor, também. O filme gira obsessivamente em torno
do censor em vias de destruir os
negativos de Welles. E na boca de
Amnésio, o censor, o cineasta coloca seu fraseado agudo: "Quem
quer ver uns crioulos dançando?"
(Amnésio, sobre a insistência de
Welles em filmar o Carnaval).
Em torno de Amnésio gravita a
caricatura de uma elite (em linhas
gerais, uma representação realista). Em torno de ambos, os encantos do Brasil, a que o cineasta se
recusa a renunciar, e os boçais,
acólitos, parasitas, a mediocridade submissa.
Mais do que amargo, talvez "O
Signo..." seja um filme mordaz
em sua crítica. Tomemos o nome:
Amnésio. Porque o censor é o
próprio esquecimento. E porque
parece ser esse o personagem que
sintetiza o Brasil (Sganzerla sempre esteve do lado da metonímia).
Proibir, cortar, jogar no lixo, rejeitar -são todas formas de impedir o cinema de existir (pode-se
interpretar a coisa paranoicamente, como se todo esse aparato
existisse para impedir não Welles,
mas Sganzerla de ser ouvido).
Contra esse impulso negativo
do esquecimento, resta o filmar. E
filmar lindamente. Pois esse antifilme que recusa as facilidades do
que chamamos de comunicação
se impõe, afinal, pela evidência e
pela beleza de suas imagens.
(IA)
O Signo do Caos
Direção: Rogério Sganzerla
Produção: Brasil, 2003
Com: Djin Sganzerla, Otávio Terceiro
Quando: a partir de hoje no Frei Caneca
Unibanco Arteplex e no Top Cine
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