São Paulo, sábado, 11 de novembro de 2006

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Análise/música

Morte de Mario Zan deixa órfã a música caipira

JOSÉ HAMILTON RIBEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA

Passagem de reportagem de TV no Pantanal, dentro de uma canoa do rio Paraguai, em Corumbá, na curva da chalana -enquanto falo, vê-se no outro banco da canoa um homem de óculos escuros.
- Já ouvi dizer que as duas músicas mais bonitas do Pantanal, "Chalana" e "Siriema do Mato Grosso", foram feitas por um italiano, cego, que não conhece o Pantanal. É verdade, Mario Zan?
- Um pouco é verdade, um pouco não é. Sou italiano, vim de lá com 4 anos, mas -aí tira os óculos escuros- não sou cego. Nos tempos dos shows em circo no interior, nas estradas de terra, muita poeira, a gente precisava estar de óculos escuros, e isso levava a que me confundissem com outro sanfoneiro [Mario Gennari], este sim, cego, e que por isso andava com os olhos cobertos. Quanto a não conhecer o Pantanal... Estou conhecendo agora, por dentro. Antes, só tinha estado em algumas cidades.
Além da "Chalana" e da "Siriema" -e do inesquecível hino do 4º Centenário de São Paulo-, Mario Zan é autor de "Os Homens Não Devem Chorar" (canção que fez grande sucesso no exterior, gravada também por Roberto Carlos com parte da letra em espanhol), "Orgulhoso", "Iracema" e centenas de outras músicas cantadas, além de algumas só de sanfona, entre elas os maiores "limpa-banco" de bailes de qualquer tipo (principalmente os de São João) e uma seqüência inteira de quadrilha. Mario Zan morreu na última quarta-feira, aos 86, e ainda trabalhando. Começou a tocar em bailes aos 12, de forma que atuou como artista durante 74 anos. Não é porém por longevidade que ele figura como um "patriarca" (entre outros 15) da música caipira no meu livro recém-lançado "Musica Caipira -As 270 Maiores Modas de Todos os Tempos". Figura porque é bom.
Caipira é um gênero musical com muito bagulho -como qualquer outro gênero musical (desde o erudito). Talvez pelo fato de muitos de seus criadores serem pessoas simples, no caipira o que é ruim acaba sendo escancaradamente ruim, de tal forma que a jornalista Leonor Silva diz que compositor de música caipira é que nem bunda de galinha. Não se sabe se dali vai sair um ovo, que é uma obra-prima, ou titica.
Fui escrever o meu livro incentivado por Mario Zan, que me abasteceu de informações preciosas, para tentar separar os "ovos" -alguns de ouro- das titicas, chegando assim à seleção das "270 Maiores Modas de Todos os Tempos". Além de muito ativo e trabalhador, Mario Zan sempre andou com grandes artistas -como Arlindo Pinto, Palmeira, Nhô Pai, Cacique- que foram alguns de seus parceiros.
A penúltima vez que vi o "patriarca" Mario Zan foi para combinar foto da capa do livro, em que ele aparece ao lado de Tinoco, Mary e Marilene Galvão (Irmãs Galvão), Dino Franco e Paraíso -seis pessoas então em plena atividade na primeira linha da verdadeira música caipira de hoje. A última vez que o vi foi no lançamento do livro, numa livraria em São Paulo, poucos dias atrás.
Mario estava um pouco desanimado, arranjou uma desculpa para não pegar a sanfona -o que não era de seu natural.
- Doente, Mario? (ele estava um pouco ofegante) - Coisa à toa, passa logo.
- Não me vai morrer, hein?
- Só em último caso.


O jornalista JOSE HAMILTON RIBEIRO é autor de "Música Caipira - As 270 Maiores Modas de Todos os Tempos", que acaba de ser lançado pela ed. Globo (R$ 32; 272 págs.).

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