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Análise/música
Morte de Mario Zan deixa órfã a música caipira
JOSÉ HAMILTON RIBEIRO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Passagem de reportagem
de TV no Pantanal, dentro de uma canoa do rio
Paraguai, em Corumbá, na curva da chalana -enquanto falo,
vê-se no outro banco da canoa
um homem de óculos escuros.
- Já ouvi dizer que as duas
músicas mais bonitas do Pantanal, "Chalana" e "Siriema do
Mato Grosso", foram feitas por
um italiano, cego, que não conhece o Pantanal. É verdade,
Mario Zan?
- Um pouco é verdade, um
pouco não é. Sou italiano, vim
de lá com 4 anos, mas -aí tira
os óculos escuros- não sou cego. Nos tempos dos shows em
circo no interior, nas estradas
de terra, muita poeira, a gente
precisava estar de óculos escuros, e isso levava a que me confundissem com outro sanfoneiro [Mario Gennari], este sim,
cego, e que por isso andava com
os olhos cobertos. Quanto a
não conhecer o Pantanal... Estou conhecendo agora, por
dentro. Antes, só tinha estado
em algumas cidades.
Além da "Chalana" e da "Siriema" -e do inesquecível hino
do 4º Centenário de São Paulo-, Mario Zan é autor de "Os
Homens Não Devem Chorar"
(canção que fez grande sucesso
no exterior, gravada também
por Roberto Carlos com parte
da letra em espanhol), "Orgulhoso", "Iracema" e centenas
de outras músicas cantadas,
além de algumas só de sanfona,
entre elas os maiores "limpa-banco" de bailes de qualquer tipo (principalmente os de São
João) e uma seqüência inteira
de quadrilha.
Mario Zan morreu na última
quarta-feira, aos 86, e ainda
trabalhando. Começou a tocar
em bailes aos 12, de forma que
atuou como artista durante 74
anos. Não é porém por longevidade que ele figura como um
"patriarca" (entre outros 15) da
música caipira no meu livro recém-lançado "Musica Caipira -As 270 Maiores Modas de Todos os Tempos".
Figura porque é bom.
Caipira é um gênero musical
com muito bagulho -como
qualquer outro gênero musical
(desde o erudito). Talvez pelo
fato de muitos de seus criadores serem pessoas simples, no
caipira o que é ruim acaba sendo escancaradamente ruim, de
tal forma que a jornalista Leonor Silva diz que compositor de
música caipira é que nem bunda de galinha. Não se sabe se
dali vai sair um ovo, que é uma
obra-prima, ou titica.
Fui escrever o meu livro incentivado por Mario Zan, que
me abasteceu de informações
preciosas, para tentar separar
os "ovos" -alguns de ouro-
das titicas, chegando assim à
seleção das "270 Maiores Modas de Todos os Tempos".
Além de muito ativo e trabalhador, Mario Zan sempre andou com grandes artistas -como Arlindo Pinto, Palmeira,
Nhô Pai, Cacique- que foram
alguns de seus parceiros.
A penúltima vez que vi o "patriarca" Mario Zan foi para
combinar foto da capa do livro,
em que ele aparece ao lado de
Tinoco, Mary e Marilene Galvão (Irmãs Galvão), Dino Franco e Paraíso -seis pessoas então em plena atividade na primeira linha da verdadeira música caipira de hoje. A última
vez que o vi foi no lançamento
do livro, numa livraria em São
Paulo, poucos dias atrás.
Mario estava um pouco desanimado, arranjou uma desculpa para não pegar a sanfona -o
que não era de seu natural.
- Doente, Mario? (ele estava
um pouco ofegante)
- Coisa à toa, passa logo.
- Não me vai morrer, hein?
- Só em último caso.
O jornalista JOSE HAMILTON RIBEIRO é autor
de "Música Caipira - As 270 Maiores Modas de
Todos os Tempos", que acaba de ser lançado pela ed. Globo (R$ 32; 272 págs.).
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