São Paulo, domingo, 11 de novembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ANÁLISE

Mailer repórter foi maior que o romancista

Com Tom Wolfe e Truman Capote, o polêmico Norman Mailer formou a santíssima trindade do "novo jornalismo"

CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Norman Mailer prometeu a si mesmo e ao público que escreveria "o maior romance americano". Não cumpriu. Produziu muitos livros bastante longos, mas no terreno da ficção só um foi importante: o primeiro, "Os Nus e os Mortos", de 1948, fruto de suas experiências como combatente na Segunda Guerra Mundial. Se não inscreveu o seu nome entre os dos grandes romancistas do país, Mailer conquistou um lugar na história dos melhores jornalistas e dos mais intensos polemistas que os Estados Unidos conheceram.
Foi empurrado para o mundo dos ensaios e reportagens em revistas e jornais em parte a contragosto (precisava do dinheiro que a ficção não lhe proporcionava) e em parte por convicções políticas (tinha consciência de que os meios de comunicação lhe garantiriam mais proeminência no debate público do que os livros).
Com Tom Wolfe e Truman Capote, formou a santíssima trindade do "new journalism", o gênero literário que mesclou as técnicas da ficção com o factualismo da reportagem.
"Os Exércitos da Noite - Os Degraus do Pentágono" (1968), sobre os protestos contra a Guerra do Vietnã, e "A Canção do Carrasco" (1979), sobre Gary Gilmore, um assassino confesso que pediu para ser executado, estão entre os mais brilhantes espécimes desse tipo de literatura (ambos estão entre as cem melhores reportagens do século 20, selecionadas pela New York University).
Como um dos fundadores do jornal "Village Voice" e freqüente colaborador de excelentes periódicos como "The New York Review of Books", Mailer contribuiu enormemente para melhorar a qualidade do jornalismo americano e -por extensão- de todos os países que se deixaram influenciar por ele.
Mas Mailer foi muito além de simplesmente escrever. Tornou-se militante político e crítico ácido do estilo de vida americano, fascinado pelo papel preponderante que o sexo, a ambição e a violência exercem sobre a cultura nacional.
Iconoclasta, calculadamente agressivo, mas quase sempre instigante, talentoso, alcançava as manchetes da imprensa sensacionalista (ao esfaquear sua segunda mulher, por exemplo) com quase a mesma facilidade com que freqüentava o noticiário político, como ao se candidatar a prefeito de Nova York.
Apesar de ter sido tão famoso e importante, Mailer morreu ressentido por saber que seria lembrado na posteridade não pelos romances, mas pelo jornalismo.
Numa de suas últimas entrevistas, disse: "Eu acho que o romance é uma forma superior [ao jornalismo]. Como eu posso expressar isso? É muito mais difícil escrever um romance. Eu não concordo que eu vá ser mais lembrado como jornalista, embora eu concorde que muitos irão dizer isso. A ironia é que talvez eu tenha tido muito mais influência como jornalista do que como romancista."


CARLOS EDUARDO LINS DA SILVA , livre-docente e doutor em jornalismo pela USP e mestre em comunicação pela Michigan State University, é diretor de relações institucionais da Patri Políticas Públicas.


Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Mailer no Brasil
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.