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O arquiteto da imagem
Encenador provocador, Bob Wilson, 67, apresenta em SP vídeo-retratos sobre a vulnerabilidade e a passagem do tempo
Bob Wilson/Reprodução
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Em vídeo-retrato, a atriz Winona Ryder interpreta Winnie, personagem de "Dias Felizes', peça de Samuel Beckett
LUCAS NEVES
SILAS MARTÍ
DA REPORTAGEM LOCAL
O dramaturgo e artista Bob
Wilson se apaixonou pela babysitter do amigo Tom Waits. Sua
prova de amor, tempos depois,
foi enterrá-la até o pescoço e
filmar tudo em alta definição. A
babá era a atriz Winona Ryder,
que assim viveu Winnie, personagem de "Dias Felizes", do
dramaturgo Samuel Beckett,
num vídeo-retrato.
Ele também fotografou o
ator Brad Pitt de cueca sob chuva artificial, a atriz Isabella
Rossellini como uma Alice
mais soturna do que a imaginada por Lewis Carroll e o ator
Steve Buscemi em pose de
açougueiro, com uma carcaça
ensangüentada.
Esses vídeos quase sem movimento, fotos que tentam
mostrar a passagem do tempo,
chegam amanhã ao Sesc Pinheiros, em São Paulo. "Consegui atingir o mesmo grau de detalhe que busco no teatro", diz
Wilson à Folha. "Dá para ver
cada pêlo, cada poro."
Wilson, conhecido por suas
montagens arrebatadoras, até
então não havia trocado o palco
pelo estúdio fotográfico, mas
decidiu encarar a novidade por
causa da tecnologia. "O vídeo
agora se aproxima da fotografia. Antes, era impossível filmar
o preto absoluto, o vermelho
virava alaranjado", lembra.
De fato, as cores nos retratos
beiram a estridência: o azul
pluvial que envolve Brad Pitt, o
rosa-choque dos cabelos de
Winona Ryder, o escarlate da
carne crua diante de Steve Buscemi. Em contraponto, o silêncio é absoluto. O autor não saiu
à procura de texto nem música
para acompanhar as imagens.
"Tem a ver com ouvir o silêncio", afirma Wilson, que importa dos palcos essa estratégia.
"Meu trabalho no teatro sempre começa muito silencioso,
só com imagens. Parto sempre
do imobilismo, não tratando de
idéias, mas de uma experiência
momentânea, mais próxima do
comportamento animal. Esses
retratos são como olhar um urso selvagem e não se mexer,
porque senão ele avança."
É o mesmo estado de suspensão e vulnerabilidade que
marcou o teatro de Beckett.
"Ele não era dramaturgo só de
palavras, mas de imagens, que
pensava em termos visuais",
descreve Wilson. "Se você
monta "Dias Felizes", vai muito
além do texto, cria uma imagem: a de uma mulher imóvel,
enterrada até o pescoço."
Não espanta que, no retrato
de Wilson, seja Ryder a escolhida para o papel da vulnerável
Winnie. Na condição de celebridade, sob o escrutínio permanente da mídia, a atriz também sentiu o peso do mundo.
Wilson, assim como Beckett,
encara a gravidade da existência com economia verbal. Daí a
paixão dos dois por atores do
cinema mudo como Charlie
Chaplin e Buster Keaton. "Foram os primeiros a desenvolver
uma linguagem visual", afirma
Wilson. "Os olhos deles eram
coreografados."
Teatro de sensações
Em cena, a "dança" de Wilson segue uma lógica sensorial,
não calcada em descrições lineares ou sentidos estanques.
A dramaturgia fica em segundo
plano, sucumbe à arquitetura:
"Muito do que se vê no palco
hoje entende a dimensão visual
como mera decoração, quando
o teatro deveria partir da arquitetura. O que vemos é tão importante quanto o que ouvimos, mas, na maioria dos casos,
é o texto que guia a imagem."
Foi a partir da ópera "Einstein on the Beach" (1976), parceria com Philip Glass, que Wilson inscreveu de forma definitiva sua marca nas artes cênicas
americanas: a abstração com
eventuais arroubos megalômanos -a ópera não tinha enredo
e durava cinco horas. Quatro
anos antes, encenara "Ka
Mountain and Guardenia Terrace" por sete dias, no topo de
uma montanha iraniana.
A interpretação peculiar do
apocalipse em "Death, Destruction and Detroit" (1979),
no Schaubühne de Berlim, projetou seu nome na Europa. Na
década seguinte, criou trabalhos para instituições de Paris,
Salzburgo e Hamburgo. Acabou
mais reconhecido do outro lado
do Atlântico do que em casa.
"Na Europa, há uma tradição
de ir ao teatro e ver não só trabalhos de seu país como também de fora. Nos EUA, estamos
isolados. Meu trabalho é um
teatro artístico, e não há espaço
para isso aqui. O que temos é
teatro de bulevar, para turistas,
a título de entretenimento. Não
há nada de errado com isso,
mas é só o que temos", afirma.
Ainda que tenha flertado
com o showbiz nos vídeo-retratos agora exibidos em São Paulo -a imagem de Pitt foi parar
na capa da "Vanity Fair"-, Wilson reafirma sua inquietação
criativa em projetos de contornos mais experimentais.
Ele acaba de voltar do Japão,
onde filmou uma coreógrafa
que perdeu os movimentos.
Quase anônima no Ocidente, a
personagem foge dos ideais de
glamour para explicitar a tensão entre imobilismo e movimento, cara ao artista.
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