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CINEMA
Com orçamento de R$ 300 mil, longa foi rodado na Paraíba e no Rio e traz no elenco Hamilton Vaz Pereira
Bressane faz milagre e acaba "São Jerônimo'
CARLOS ADRIANO
especial para a Folha
Para realizar seu cinema radicalmente pessoal, Julio Bressane sempre cometeu milagres. Prodígios
de invenção e proezas de produção, conjugando estética exigente
em verbas exíguas, poesia arrojada
em prazo concentrado. Em seu novo filme, o milagre revela-se já no
tema: são Jerônimo (330 - 410),
grande e obscuro intelectual do
Ocidente, autor da edição e da tradução completa da Bíblia, a chamada Vulgata.
"São Jerônimo" está em fase final
de conclusão. Com orçamento de
R$ 300 mil, locações no Rio (cenas
de Roma) e na Paraíba (o deserto),
o filme traz no elenco Everaldo
Pontes (Jerônimo), Hamilton Vaz
Pereira (papa Damaso), Bia Nunes, Silvia Buarque e Helena Ignez
(mulheres aristocratas) e, na equipe, José Tadeu Ribeiro (fotografia)
e Virgínia Flores (montagem).
As filmagens na Paraíba (um sítio a 600 km de João Pessoa) arrebataram o cineasta pelo impacto
da natureza surreal, o tempo pré-histórico do lugar e a paisagem esculpida em pedras-cavernas cravadas de inscrições rupestres.
Há 11 anos Bressane se prepara
para o filme. O que lhe interessa é
"o signo Jerônimo", sobre o qual
encena complexa operação criadora (para "desconstruir" o mito,
primeiro deve-se apreender e, depois, desprender- se).
O diretor busca a luz de pinturas
de Da Vinci e El Greco sobre Jerônimo. No tecido intertextual, isomórfico à escritura, convoca o
Flaubert da "Tentação de Santo
Antão", o Stroheim de "Ouro e
Maldição" e o Pasolini de "Evangelho segundo São Mateus".
Um aspecto moderno traçado
por ele é o do "novo modelo feminino". Jerônimo tornou-se orientador espiritual de mulheres aristocratas, criando, pela primeira
vez no Ocidente, grupos de estudo
para a decifração dos textos sagrados.
"Ancestral dos grandes humanistas", Jerônimo permaneceu 50
anos no que chamou "meu paraíso", o bibliogabinete no deserto de
Belém. Antes, fez morada de martírio no deserto de Calcis, em
Constantinopla (discípulo de um
cenobita ascético) e em Roma (secretário do papa Damaso).
Bressane vê na Vulgata o primeiro livro experimental do Ocidente,
"o Finnegans Wake do seu tempo"
(joyceano avant-la-lettre, o monge
intelectual criou 500 neologismos
e injetou no latim laivos de grego e
hebraico).
Ao transubstanciar a protolinguagem de Jerônimo e elevar a saga do código do conhecimento ao
extremo, Bressane recorre ao plasma deleuziano dos "noosignos" e
parece fazer de um filme um visionário manifesto civilizador para o
nosso tempo.
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