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PATRÍCIA GALVÃO
"Esse analfabeto esperava outro milagre de circo"
Tivemos esta semana, na quarta-feira, um espetáculo teatral no
Centro Português em que foram
representadas duas peças: "Os
Fantoches", de Plínio Marcos, e
"Jenny no Pomar", de Charles
Thomas.
Atendendo à obrigação de escrever a respeito, devemos partir
da separação dos dois textos. O
primeiro é texto de um principiante ainda; o segundo é um
bom texto.
Caracteriza o primeiro a tentativa do autor de passar do plano da
reportagem, que era o principal
defeito de sua peça anterior, "A
Barrela", para um plano de criação, invadindo terreno difícil para
sua experiência e seus conhecimentos, desde que há a intenção
de nos proporcionar um texto de
tonalidades filosóficas. E o nível
mental e intelectual do autor, infelizmente, se desencontra, como
possibilidade, para palmilhar o
terreno ambicionado.
O teatro de teor filosófico é o
mais árduo, o mais complexo, para ser trabalhado. Isto não só do
ponto de vista de uma concepção
da vida, que o autor não tem, como dos alicerces culturais que lhe
faltam. A simples leitura de algumas peças dum teatro de base filosófica não autoriza ninguém a
escrever dentro dos seus moldes.
Compreender-se-ia uma influência que caísse em uma mentalidade e uma sensibilidade preparadas, mas a perfilhação de uma influência não pode dar resultado
em nenhum sentido, porquanto
idéias não se transmitem senão
pelo estudo das fundamentações
filosóficas donde elas emergiram.
Onde não há base, será inútil falar-se de influência, pois a leitura
de textos de teatro filosófico, ainda mais leitura à ligeira, não pode
conferir uma receptividade, um
aproveitamento, ao ponto de se
considerar produzida uma influência.
A tentativa de "Os Fantoches",
quanto ao texto, resiste apenas
pelo manejo de um diálogo,
maiormente destituído de sentido. Da reportagem, o autor saltou
para o teatro das idéias e foi o que
se viu. Um texto medíocre.
Do texto medíocre saiu um espetáculo também medíocre. Não
poderia, uma algaravia do tipo da
que foi apresentada, determinar
uma boa transposição para o palco. Os atores não puderam dar a
esse texto uma interpretação, porque ficaram fora dela. Disseram-no apenas. A direção do autor serviu apenas para estabelecer a movimentação dos fantoches.
Isso não invalida a opinião que
temos a respeito das qualidades
do autor como autor e como diretor. Como autor falta-lhe trabalhar na aquisição de uma base informativa, capaz de lhe proporcionar meios de expressão, para
os seus dotes de imaginação. Como diretor, devemos recomendar
a Plínio Marcos que não antecipe
a apresentação de seus trabalhos,
principalmente quando lança elementos que jamais pisaram um
palco. A improvisação não resolveria nenhuma das possibilidades
de apresentação dos seus comandados.
A última observação é válida
também para "Jenny no Pomar",
que sendo um bom texto, por isso
mesmo é de solução difícil, e não
pode ser compreendida sem um
estudo suficiente das intenções do
autor, que não foram levadas em
consideração pelo diretor, nem
pelos intérpretes, consequentemente. Creusa de Carvalho foi um
ponto divergente na interpretação, pelo desequilíbrio que a sua
atuação estabeleceu no conjunto
do espetáculo. Sulamita Scherfstein acompanhou melhor Creusa;
nada se podendo dizer dos elementos masculinos.
A pressa, como sempre, adversária de qualquer acabamento,
não permitiria que se apresentasse o texto de Charles Thomas como vimos. Quando se tem um
texto dessa qualidade nas mãos
não se pode considerar que um
milagre se produza, como acontece com as pantomimas de circo.
Este artigo foi publicado no jornal "A Tribuna" (Santos-SP) no início dos anos 60
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