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LIVRO/LANÇAMENTO
Após 40 anos de trabalho, Tolentino publica "O Mundo como Idéia", sua súmula da poesia-ensaio
A desconstrução do mundo ideal
Jorge Araújo/Folha Imagem
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O poeta Bruno Tolentino, em frente à igreja da PUC-SP |
CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma das figuras mais sui-generis da intelectualidade brasileira,
Bruno Tolentino é um poeta que
não acredita na poesia. Pelo menos não na poesia tal como se
apresenta genericamente pelas
estantes de todo o país. "Poesia
não é enfeite, não é borboleta. Ou
é uma coisa fundamental ou não
tem lugar na paisagem."
Autor de quase dezena de obras,
esse carioca de personalidade britânica vinha tecendo nas últimas
quatro décadas o longo painel que
daria conta dessa "poesia como
eixo de debate de idéias".
Aos 62 anos, Tolentino consegue enfim arrastar à luz o resultado. "O Mundo como Idéia", que a
editora Globo lança na próxima
semana, apresenta sob forma de
ensaios e poemas aquilo que o
próprio autor chega a qualificar
de "infindável arrazoado plástico-filosófico-musical".
Os dez ensaios e 366 poemas do
livro ("é um livro bissexto", brinca Tolentino) não chegam ao infindável em suas 40 mil palavras
alinhadas em 7.000 versos (as
contas são do poeta). Mas a amplitude do debate chega perto.
"O Mundo como Idéia" é filho
de uma caravana de pontos de interrogação que Tolentino colecionou, e vem tentando afogar vida
afora em poemas parentes dos
versos dos românticos ingleses.
O que é a forma? Por que ela teve direitos sobre a expressão da
realidade? Como exprimir a realidade sem forma? Que direitos tem
a forma sobre a realidade ou vice-versa? Forma, aqui, não se restringe ao aspecto poético e artístico
do termo. "É o problema da forma enquanto interrogação filosófica do mundo", sintetiza.
Nas 443 páginas de "O Mundo
como Idéia", Tolentino passeia
por algumas centenas de filósofos, pintores, poetas, mas seu bate-bola de fundo, ele mesmo é
quem diz, é com Aristóteles e Platão, e o questionamento dos limites do real e do ideal. "Essa preferência pelo ideal, em vez do real,
que torna tudo tão mais fácil, aparentemente, mas falsifica tudo, é o
eixo da questão toda", exprime o
poeta, em entrevista ao lado da
igreja da Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo.
E aqui entra um parêntese. Tolentino diz que esse embate entre
ideal e real não colheu nem pelas
ruas nem apenas nos livros. Vem
de dentro. "Houve sempre em
mim esse problema entre aceitar
o real, verificar a realidade tal como ela é, o mundo como tal e essa
atração pelo mundo como idéia.
Este é um livro auto-antídoto. É a
história de uma diagnose e cura."
Onde há cura, há doença. E Tolentino acredita que dela padece
todo o ocidente, "especialmente a
partir do século 18, com essa busca pela utopia, pelo mundo ideal".
A raiz, porém, desse problema
estaria algumas centenas de anos
na traseira. "A crise do mundo
moderno, sobretudo da filosofia
moderna, começa no pré-Renascimento, no século 15."
Assim como quando lecionava
em Oxford, Essex e Bristol (nos 30
anos em que passou fora do país,
a contar de 1964), Tolentino buscou apoio na pintura. Dessa forma, a discussão desse momento
crítico da história, no qual ele
acredita que a civilização ocidental tomou a estrada errada, usa como pano de fundo o modo de pintar de dois grandes nomes da época: Piero Della Francesca (1416-92) e Paolo Uccello (1397-1475).
Nesse momento, o poeta defende que o homem estava mais próximo do que nunca da perfeição.
"Como é que isso foi acabar no
maneirismo e de lá no barroco, a
profusão quase cancerosa da percepção da realidade? Como é que
isso foi dar em Mondrian e seus
quadrados coloridos?", indaga.
E aí entra Bruno Tolentino,
"buscando tentar definir os termos de uma possível filosofia da
forma". "O faço sem nenhuma
pretensão, nenhuma modéstia,
uma grande ambição. Dizem que
não sou modesto. Não tenho mesmo nenhuma intenção. Ser modesto é falsificar a realidade", diz
ele, que era chamado por Antonio
Houaiss de "polemista dialogal".
"Eu polemizo. E quando eu polemizo é para levantar questões.
Não faço questão de ter razão,
muito pelo contrário, quero até
que me provem errado. Não tenho pudor. Assim, como eu não
tenho pudor em dizer que o que
os "irmãos Metralha" fazem é péssimo", afirma. Por "Metralha" entenda-se Campos (os irmãos Augusto e Haroldo), com quem Tolentino vem travando ácidas polêmicas desde sua volta ao Brasil,
em meados dos anos 90.
Desta vez, porém, não é um livro "provocateur", como foi seu
"Os Sapos de Ontem". ""O Mundo como Idéia" não é polêmico. É
obra de perplexidades, autocomentários, indagações."
Às perguntas e respostas de Tolentino, não dá para esperar "nitidez didática", como ele mesmo
assinala em seu livro. Aos monolíngues e bilíngues, por exemplo,
o seu bosque de ensaios e poemas-filosóficos reserva diversos
textos apenas em inglês, francês e
italiano ("só voltei a escrever em
português em 1979", ano no qual
volta ainda para a igreja católica
-ele atualmente tenta virar
monge, vocação que "se não fosse
o celibato já teria abraçado").
Mas diferentemente de quando
manifestou pela primeira vez intenção de publicar o livro, no início dos anos 90 -no que teria sido reprimido, diz ele, pelo seu tio,
o crítico Antonio Candido, que teria dito "ser aterrissar boeing em
campo de futebol"- , ele comemora que "O Mundo como Idéia"
sai em momento ideal.
"É um livro para o amanhã, para um país que passa a se formar.
Não digo que a esperança venceu
o medo, mas certamente venceu a
canalhice", diz Tolentino. Frequentemente taxado de "de direita", ele diz que votou desta vez no
PT. "Vamos refazer tudo outra
vez. Vamos apostar no Lula."
O MUNDO COMO IDÉIA. De: Bruno
Tolentino. Editora: Globo. Quanto: R$ 50
(443 págs.). Lançamento: segunda-feira
(16/12), às 19h. Onde: Livraria do Museu
(r. do Catete, 153, Rio de Janeiro, tel. 0/
xx/21/2205-0603)
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