São Paulo, quarta-feira, 11 de dezembro de 2002

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LIVRO/LANÇAMENTO

Após 40 anos de trabalho, Tolentino publica "O Mundo como Idéia", sua súmula da poesia-ensaio

A desconstrução do mundo ideal

Jorge Araújo/Folha Imagem
O poeta Bruno Tolentino, em frente à igreja da PUC-SP


CASSIANO ELEK MACHADO
DA REPORTAGEM LOCAL

Uma das figuras mais sui-generis da intelectualidade brasileira, Bruno Tolentino é um poeta que não acredita na poesia. Pelo menos não na poesia tal como se apresenta genericamente pelas estantes de todo o país. "Poesia não é enfeite, não é borboleta. Ou é uma coisa fundamental ou não tem lugar na paisagem."
Autor de quase dezena de obras, esse carioca de personalidade britânica vinha tecendo nas últimas quatro décadas o longo painel que daria conta dessa "poesia como eixo de debate de idéias".
Aos 62 anos, Tolentino consegue enfim arrastar à luz o resultado. "O Mundo como Idéia", que a editora Globo lança na próxima semana, apresenta sob forma de ensaios e poemas aquilo que o próprio autor chega a qualificar de "infindável arrazoado plástico-filosófico-musical".
Os dez ensaios e 366 poemas do livro ("é um livro bissexto", brinca Tolentino) não chegam ao infindável em suas 40 mil palavras alinhadas em 7.000 versos (as contas são do poeta). Mas a amplitude do debate chega perto.
"O Mundo como Idéia" é filho de uma caravana de pontos de interrogação que Tolentino colecionou, e vem tentando afogar vida afora em poemas parentes dos versos dos românticos ingleses.
O que é a forma? Por que ela teve direitos sobre a expressão da realidade? Como exprimir a realidade sem forma? Que direitos tem a forma sobre a realidade ou vice-versa? Forma, aqui, não se restringe ao aspecto poético e artístico do termo. "É o problema da forma enquanto interrogação filosófica do mundo", sintetiza.
Nas 443 páginas de "O Mundo como Idéia", Tolentino passeia por algumas centenas de filósofos, pintores, poetas, mas seu bate-bola de fundo, ele mesmo é quem diz, é com Aristóteles e Platão, e o questionamento dos limites do real e do ideal. "Essa preferência pelo ideal, em vez do real, que torna tudo tão mais fácil, aparentemente, mas falsifica tudo, é o eixo da questão toda", exprime o poeta, em entrevista ao lado da igreja da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
E aqui entra um parêntese. Tolentino diz que esse embate entre ideal e real não colheu nem pelas ruas nem apenas nos livros. Vem de dentro. "Houve sempre em mim esse problema entre aceitar o real, verificar a realidade tal como ela é, o mundo como tal e essa atração pelo mundo como idéia. Este é um livro auto-antídoto. É a história de uma diagnose e cura."
Onde há cura, há doença. E Tolentino acredita que dela padece todo o ocidente, "especialmente a partir do século 18, com essa busca pela utopia, pelo mundo ideal".
A raiz, porém, desse problema estaria algumas centenas de anos na traseira. "A crise do mundo moderno, sobretudo da filosofia moderna, começa no pré-Renascimento, no século 15."
Assim como quando lecionava em Oxford, Essex e Bristol (nos 30 anos em que passou fora do país, a contar de 1964), Tolentino buscou apoio na pintura. Dessa forma, a discussão desse momento crítico da história, no qual ele acredita que a civilização ocidental tomou a estrada errada, usa como pano de fundo o modo de pintar de dois grandes nomes da época: Piero Della Francesca (1416-92) e Paolo Uccello (1397-1475).
Nesse momento, o poeta defende que o homem estava mais próximo do que nunca da perfeição. "Como é que isso foi acabar no maneirismo e de lá no barroco, a profusão quase cancerosa da percepção da realidade? Como é que isso foi dar em Mondrian e seus quadrados coloridos?", indaga.
E aí entra Bruno Tolentino, "buscando tentar definir os termos de uma possível filosofia da forma". "O faço sem nenhuma pretensão, nenhuma modéstia, uma grande ambição. Dizem que não sou modesto. Não tenho mesmo nenhuma intenção. Ser modesto é falsificar a realidade", diz ele, que era chamado por Antonio Houaiss de "polemista dialogal".
"Eu polemizo. E quando eu polemizo é para levantar questões. Não faço questão de ter razão, muito pelo contrário, quero até que me provem errado. Não tenho pudor. Assim, como eu não tenho pudor em dizer que o que os "irmãos Metralha" fazem é péssimo", afirma. Por "Metralha" entenda-se Campos (os irmãos Augusto e Haroldo), com quem Tolentino vem travando ácidas polêmicas desde sua volta ao Brasil, em meados dos anos 90.
Desta vez, porém, não é um livro "provocateur", como foi seu "Os Sapos de Ontem". ""O Mundo como Idéia" não é polêmico. É obra de perplexidades, autocomentários, indagações."
Às perguntas e respostas de Tolentino, não dá para esperar "nitidez didática", como ele mesmo assinala em seu livro. Aos monolíngues e bilíngues, por exemplo, o seu bosque de ensaios e poemas-filosóficos reserva diversos textos apenas em inglês, francês e italiano ("só voltei a escrever em português em 1979", ano no qual volta ainda para a igreja católica -ele atualmente tenta virar monge, vocação que "se não fosse o celibato já teria abraçado").
Mas diferentemente de quando manifestou pela primeira vez intenção de publicar o livro, no início dos anos 90 -no que teria sido reprimido, diz ele, pelo seu tio, o crítico Antonio Candido, que teria dito "ser aterrissar boeing em campo de futebol"- , ele comemora que "O Mundo como Idéia" sai em momento ideal.
"É um livro para o amanhã, para um país que passa a se formar. Não digo que a esperança venceu o medo, mas certamente venceu a canalhice", diz Tolentino. Frequentemente taxado de "de direita", ele diz que votou desta vez no PT. "Vamos refazer tudo outra vez. Vamos apostar no Lula."


O MUNDO COMO IDÉIA. De: Bruno Tolentino. Editora: Globo. Quanto: R$ 50 (443 págs.). Lançamento: segunda-feira (16/12), às 19h. Onde: Livraria do Museu (r. do Catete, 153, Rio de Janeiro, tel. 0/ xx/21/2205-0603)


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