São Paulo, sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

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CINEMA/ESTREIAS

Crítica/ "Diário de..."

Paula Gaitán investiga últimos dias de Glauber

JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA

Quando se fala de Glauber Rocha e seu cinema exuberante e explo- ° sivo, geralmente se recorre a uma linguagem igualmente ruidosa, caótica, tempestuosa. Em "Diário de Sintra", Paula Gaitán, a última companheira do cineasta, faz o contrário. Em seu filme, misto de documentário, ensaio poético e "home movie", o épico cede lugar ao elegíaco, o som e a fúria são amortecidos num quase silêncio (ou antes, num murmúrio). Sai o discurso messiânico, entra uma meditação sobre o tempo e a memória.
Revisitando o último lugar onde Glauber viveu, Sintra (Portugal), a diretora investiga, por um lado, o que ficou da passagem dele por lá; por outro, a persistência de Glauber na sua própria memória afetiva.
Misturando registros inéditos dos últimos dias do cineasta, em 1981 (em companhia de Paula Gaitán e dos dois filhos do casal), com imagens captadas quase trinta anos depois em Lisboa, Sintra e arredores, o filme tematiza o fluir do tempo e também a potência e os limites da linguagem audiovisual para dar conta desse fluxo.
A poderosa imagem inaugural, com fotos de Glauber que pendem dos galhos de uma árvore seca como se fossem folhas, impregna todo o filme e dá o seu mote: o confronto natureza/cultura, o que fica da passagem do homem sobre a terra. A imagem, ou seu poder de documentação da verdade, está sempre em questão. Fotos de Glauber são mostradas para velhas moradoras da região de Sintra. Uma diz que ele talvez seja um camponês de Monsanto, outra o confunde com um ator português de televisão.
Uma terceira crava: "Com certeza é português". Seja pela névoa, pela luz estourada, pelo movimento, pelo recurso frequente aos reflexos e transparências (água, vidro, seda), ou simplesmente pela corrosão do tempo, em "Diário de Sintra" a nitidez da imagem é subvertida de modo sistemático, em favor de uma melancólica imprecisão. Análoga, decerto, à da memória e do afeto.


DIÁRIO DE SINTRA

Direção: Paula Gaitán
Produção: Brasil, 2009
Onde: no cine Frei Caneca Unibanco Arteplex 7
Classificação: livre
Avaliação: bom




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