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CINEMA/ESTREIAS
Crítica/ "Diário de..."
Paula Gaitán investiga últimos dias de Glauber
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
Quando se fala de Glauber Rocha e seu cinema
exuberante e explo-
° sivo, geralmente se recorre a uma linguagem igualmente ruidosa, caótica, tempestuosa.
Em "Diário de Sintra", Paula
Gaitán, a última companheira
do cineasta, faz o contrário. Em
seu filme, misto de documentário, ensaio poético e "home movie", o épico cede lugar ao elegíaco, o som e a fúria são amortecidos num quase silêncio (ou
antes, num murmúrio). Sai o
discurso messiânico, entra
uma meditação sobre o tempo e
a memória.
Revisitando o último lugar
onde Glauber viveu, Sintra
(Portugal), a diretora investiga,
por um lado, o que ficou da passagem dele por lá; por outro, a
persistência de Glauber na sua
própria memória afetiva.
Misturando registros inéditos dos últimos dias do cineasta, em 1981 (em companhia de
Paula Gaitán e dos dois filhos
do casal), com imagens captadas quase trinta anos depois em
Lisboa, Sintra e arredores, o filme tematiza o fluir do tempo e
também a potência e os limites
da linguagem audiovisual para
dar conta desse fluxo.
A poderosa imagem inaugural, com fotos de Glauber que
pendem dos galhos de uma árvore seca como se fossem folhas, impregna todo o filme e dá
o seu mote: o confronto natureza/cultura, o que fica da passagem do homem sobre a terra.
A imagem, ou seu poder de
documentação da verdade, está
sempre em questão. Fotos de
Glauber são mostradas para velhas moradoras da região de
Sintra. Uma diz que ele talvez
seja um camponês de Monsanto, outra o confunde com um
ator português de televisão.
Uma terceira crava: "Com certeza é português".
Seja pela névoa, pela luz estourada, pelo movimento, pelo
recurso frequente aos reflexos
e transparências (água, vidro,
seda), ou simplesmente pela
corrosão do tempo, em "Diário
de Sintra" a nitidez da imagem
é subvertida de modo sistemático, em favor de uma melancólica imprecisão. Análoga, decerto, à da memória e do afeto.
DIÁRIO DE SINTRA
Direção: Paula Gaitán
Produção: Brasil, 2009
Onde: no cine Frei Caneca
Unibanco Arteplex 7
Classificação: livre
Avaliação: bom
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